Jornal “Correio Braziliense”
Caderno: Mundo
Santos entra em campo
Nas primeiras horas depois de tomar posse, presidente costura encontro com Chávez para amanhã e anuncia viagem ao Brasil em setembro. Às Farc, diz que aceita dialogar, mas exige a libertação dos reféns
Tatiana Sabadini
No primeiro dia de trabalho como presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos enfrentou duas questões que devem marcar seu governo: diplomacia e segurança. O mandatário começa a recuperar as boas relações com os vizinhos, especialmente a Venezuela e o Equador, depois da crise herdada de Álvaro Uribe. Além disso, respondeu com a autoridade de um governante fortalecido ao pedido de diálogo feito pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A primeira viagem oficial ao exterior está marcada: Santos desembarca no Brasil em 1º de setembro para se encontrar com o colega Luiz Inácio Lula da Silva. E já amanhã ele deve receber em Bogotá o venezuelano Hugo Chávez, que rompeu relações no fim de julho, depois de ter sido acusado por Uribe de dar abrigo às Farc.
No discurso de posse, o presidente colombiano enfatizou que a palavra guerra “não existe” em seu dicionário. “Um dos meus propósitos será reconstruir as relações com Venezuela e Equador, restabelecer a confiança e privilegiar a diplomacia. Assim como não reconheço os inimigos na política nacional, não faço o mesmo com nenhum governo estrangeiro”, afirmou. A reaproximação com a América do Sul é um de seus objetivos, não apenas por causa do aspecto econômico, mas para reforçar o combate às Farc nas fronteiras.
O primeiro passo de reconciliação foi dado ontem, quando a chanceler María Ángela Holguín reuniu-se com o colega equatoriano, Ricardo Patiño. As relações diplomáticas entre os dois países tinham sido rompidas em 2008, depois de uma operação militar que matou o comandante guerrilheiro Raúl Reyes em um acampamento do lado equatoriano da fronteira. O episódio rendeu condenação internacional e um processo na Justiça do Equador(1) contra Santos, que era na época ministro da Defesa da Colômbia.
Para o presidente Lula, que ajudou a facilitar o diálogo entre Bogotá e Caracas, os dois países estão dispostos a resolver a crise rapidamente e restabelecer as relações econômicas e diplomáticas. “Todo mundo quer conversar, até porque todo mundo perdeu com a confusão, com o conflito, com o atrito”, disse Lula à rede britânica BBC, depois de assistir à cerimônia de posse. “De vez em quando, as pessoas ficam cansadas de brigar.” Chávez havia aproveitado seu programa dominical de rádio e televisão, o Alô Presidente, para expressar apoio a Santos e manifestar a intenção de reunir-se com ele “nos próximos três a cinco dias”: “Estou disposto a virar a página e olhar para o futuro. Estou cheio de fé, esperança e vontade de trabalhar com o novo presidente da Colômbia”.
Em um gesto de reconciliação, Chávez pediu que as Farc liberte unilateralmente os reféns em seu poder. “A guerrilha deveria manifestar-se pela paz, mas de forma contundente. Por exemplo, com a libertação de todos os sequestrados. Por que mantê-los assim?”, indagou o presidente da Venezuela.
Resposta à guerrilha
Ao longo de quatro anos como ministro da Defesa, Santos acumulou resultados expressivos contra as Farc. Em 2002, a primeira posse de Álvaro Uribe foi marcada por uma chuva de foguetes artesanais lançados pelos rebeldes na direção do palácio — a maioria caiu sobre uma área próxima, matando 25 indigentes que ocupavam casas abandonadas. Àquela altura, a guerilha tinha um contigente da ordem de 20 mil combatentes, hoje reduzido a um terço. Com 46 anos de existência, as Farc sofreram desde 2008 sucessivos golpes, com a morte de três dos sete membros de seu secretariado (alto comando), entre eles seu fundador, o lendário Manuel Marulanda — vítima de enfarte aos 78 anos. Operações cirúrgicas do Exército libertaram quase duas dezenas de reféns, entre eles a ex-candidata presidencial Ingrid Bettancourt.
Dias antes de Santos tomar posse, o sucessor de Marulanda, Alfonso Cano, enviou por vídeo uma mensagem propondo conversações. “Aos grupos armados que hoje falam outra vez em diálogo e negociação, digo que o governo está aberto a qualquer conversação. Mas enquanto não libertarem os sequestrados e continuarem a cometer atos terroristas, continuaremos a nos enfrentar”, advertiu.
1 - Fronteira atropelada
Grupos de ex-paramilitares de direita colombianos cruzaram a fronteira com o Equador e começaram a controlar povoados no país vizinho, para ampliar suas atividades de narcotráfico. A presença na região do grupo chamado de Águias Negras foi divulgada ontem pelo diretor de Inteligência da Polícia do Equador, Fabián Solano. A organização foi formada entre 2003 e 2006 por ex-combatentes das Autodefesas Unidas da Colômbia, que podem ter ligação com as Farc.
SEM AGRÉMENT
Hugo Chávez rejeitou ontem o novo embaixador designado pelo presidente Barack Obama para representar os Estados Unidos na Venezuela. O indicado, Larry Palmer, teria feito questionamentos sobre as Forças Armadas venezuelanas. “O embaixador não pode vir. (É) o mesmo que se inabilitou rompendo todas as regras da diplomacia. O melhor que o governo dos EUA pode fazer é buscar outro candidato”, recomendou o presidente durante seu programa dominical de rádio e TV.
Agenda interna tem prioridade social
O ritmo frenético da agenda diplomática não impediu Juan Manuel Santos de se dirigir também aos colombianos e suas preocupações mais imediatas. O novo presidente tomou posse à frente de um governo que inaugura ministérios encarregados de alguns dos problemas mais agudos do país: desemprego, moradia e saúde. Com 2,5 milhões de desocupados, que correspondem a 11,6% da população ativa, a Colômbia ostenta a segunda taxa mais elevada da América Latina — e isso a despeito de a economia ter crescido com média anual no patamar de 4% nos oito anos de governo de Álvaro Uribe, graças à atração progressiva de investimentos externos.
O novo presidente assumiu anunciando um plano de choque para gerar empregos. “Com o campo, a infraestrutura, a moradia, a mineração e as inovações, colocaremos em marcha o trem do progresso, da prosperidade. E ele puxará os vagões da indústria, do comércio e dos serviços, que são os maiores geradores de vagas”, profetizou Santos. De olho também nos mais de 45% dos colombianos que continuam abaixo da linha da miséria, ele prometeu dedicar “todos os esforços a combater a pobreza e o desemprego”. A meta para os quatro anos de mandato é reduzir a taxa de desocupação à casa de um dígito.
A ideia do novo chefe de Estado é fazer social uso dos êxitos da política de Segurança Democrática, a joia da coroa do governo de seu antecessor e mentor, Álvaro Uribe. No discurso pronunciado na Praça de Bolívar, diante da Casa de Nariño e do Congresso, Santos anunciou para breve um projeto de lei para acelerar a expropriação de fazendas confiscadas de narcotraficantes, dos paramilitares de direita e da guerrilha esquerdista. As terras serão redistribuídas entre os camponeses, que em muitos casos eram os proprietários ou ocupantes originais e foram obrigados pela força a abandoná-las. “Vamos trabalhar para que eles disponham das melhores terras da Colômbia e possam explorá-las”, afirmou.
O êxodo da população rural para cidades grandes e médias, principalmente as capitais regionais, motivou outra prioridade fixada pelo novo governo: a construção de moradias. Com um saldo acumulado de mais de 3 milhões de pessoas deslocadas pelo conflito armado, o presidente definiu o objetivo de construir até 2014 pelo menos um milhão de unidades habitacionais. Para isso, os subsídios destinados ao setor serão duplicados.
Primeiros movimentos
Diplomacia
Confirmando o sinal emitido com a escolha da chanceler María Ángela Holguín, Juan Manuel Santos aproveitou desde as primeiras horas de mandato para recompor as relações na vizinhança. Anunciou visita ao Brasil em setembro, chamou Hugo Chávez para o diálogo direto e deu sequência à normalização com o Equador.
Conflito interno
Já no discurso de posse, o novo presidente respondeu ao comandante máximo das Farc, Alfonso Cano, que havia proposto diálogo, dias antes. Santos deixou “a porta destrancada”, mas fixou como premissa a renúncia da guerrilha às armas. Também sugeriu que aceitaria como gesto de boa vontade a libertação unilateral dos reféns em poder dos rebeldes. Advertiu, porém, que se as Farc preferirem o confronto, “sabem que somos eficazes”.
Desemprego
O novo governo aplicará como prioridade uma “política de choque” para enfrentar um dos problemas socieconômicos mais agudos do país — a taxa de desocupação, de 11,6% em junho, é a segunda maior da América Latina. Para coordenar as medidas, foi criado o Ministério do Trabalho. “A prioridade de meu governo será gerar prosperidade social pela oferta de trabalho”, disse o presidente no discurso de posse.
Habitação
Em um país onde as cidades grandes e médias têm recebido um fluxo constante de deslocados pelo conflito interno — são mais de 3 milhões, com acréscimo médio de 100 mil por ano —, o novo governo anunciou planos para construir 1 milhão de moradias nos quatro anos de gestão. O programa será tocado por ministério também instituído por Santos.
Saúde pública
O presidente reconhece tacitamente a dívida do governo anterior na área. Para reverter o quadro, criou um ministério específico. A missão inicial será implantar o Plano Obrigatório de Saúde, ponta de lança para uma reforma mais abrangente.
Jornal do Senado
Caderno: Mercosul
Falta de consenso entre países adia eleições diretas para o Parlasul
Número de cadeiras a que cada país terá direito no Parlasul pode ser definido em duas etapas. Na cúpula do Mercosul ocorrida semana passada, proposta da Argentina para estender indefinidamente a primeira etapa foi rejeitada
O clima de entendimento que predominou na última cúpula do Mercosul, realizada semana passada na cidade argentina de San Juan — e que levou à aprovação de decisões como o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) —, não chegou à esfera legislativa. Por falta de consenso, foi retirada da pauta uma proposta apresentada pela Argentina para a futura composição do Parlamento do Mercosul (Parlasul), que se reúne a partir de hoje, em Montevidéu, no Uruguai.
Cabe ao Conselho do Mercado Comum, principal órgão executivo do Mercosul, estabelecer o critério de representatividade para o parlamento, a partir de sugestão apresentada pelo órgão legislativo regional. Somente após o estabelecimento do número de cadeiras a que cada país terá direito é que poderão ser realizadas eleições diretas, em cada um dos quatro países do bloco — Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — para a escolha de representantes em Montevidéu, sede do parlamento.
A proposta encaminhada ao conselho, com aval dos parlamentares dos quatro países, estabelece duas etapas para a implantação do chamado critério de representação cidadã. Na primeira etapa, que se estenderia até 2014, Paraguai e Uruguai manteriam seus atuais 18 parlamentares por país, enquanto a Argentina contaria com 26 representantes e o Brasil teria 37. A partir de 2015, a população brasileira passaria a ser representada por 75 parlamentares, e Argentina teria 43, enquanto os dois países menores, Paraguai e Uruguai, manteriam 18 cada um.
A proposta apresentada pela Argentina em San Juan, que não contou com apoio do governo brasileiro, estenderia indefinidamente a primeira etapa. Segundo a proposta, esses números permaneceriam em vigor enquanto se mantivessem as atuais funções e competências do Parlasul.
Entre as motivações incluídas na introdução da proposta, rejeitada após consulta a parlamentares brasileiros, como o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), integrante do parlamento, seria necessário que "as regras para a adoção de decisões e atos do Parlamento do Mercosul, incluindo o quórum, incorporassem o espírito de consenso que rege o funcionamento do bloco". Por isso, o governo argentino considerou "conveniente avançar em uma implementação parcial do critério de representação cidadã", para que os estados partes possam organizar as eleições de seus representantes.
Condição
Como a delegação argentina insistiu em condicionar a implantação da segunda etapa da proporcionalidade a mudanças no próprio protocolo constitutivo do parlamento, modificando os quóruns para tomada de decisões, mais uma vez foi adiada a decisão. Dessa vez, para o período da presidência brasileira no bloco, de agosto a dezembro.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), atual vice-presidente, deve assumir hoje a presidência rotativa do Parlasul — simultaneamente à presidência brasileira do bloco. Ao longo dos próximos seis meses, ocorrerá uma nova rodada de negociações a respeito do tema, cujo debate será retomado na próxima sessão do parlamento, em Montevidéu, onde o principal item da pauta é a própria transferência da presidência para o Brasil.
— Precisamos dar ao Parlamento do Mercosul respeitabilidade política e representatividade, sob o risco de ele se tornar um parlamento secundário — alertou Dr. Rosinha, ao lembrar que, enquanto os representantes dos quatro países não forem eleitos, eles continuarão a ser designados pelos respectivos parlamentos nacionais e exercerão ali apenas um segundo mandato, além dos que já exercem em seus países.
Jornal “Valor Econômico”
Caderno: Especial
Está na hora de o Mercosul ter metas, diz Celso Amorim
Sergio Leo, de Brasília
O Mercosul precisa de metas para garantir uma integração "plena" dos mercados nos países do bloco, defende o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele diz estar contente com os resultados da última reunião do bloco, que criou procedimentos comuns para as alfândegas do Mercosul e fixou prazo para acabar com a cobrança dupla de tarifa de importação no trânsito de mercadorias de um país ao outro. "Está na hora de pensar grande", diz ele. "Em vez de negociar setorzinho por setorzinho , será que não devemos ter metas?"
O ministro diz que esse deve ser o passo a tomar na presidência temporária do Brasil neste semestre. Entre as metas que o ministro considera necessárias estão um prazo para acabar com as exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) e datas para acordos de serviços e de compras governamentais, que dê tratamento nacional às empresas dos países do Mercosul nos outros mercados do bloco.
Amorim não esperou que começasse a sessão de perguntas para reagir a uma das críticas mais fortes à política externa do governo Lula, a de que é leniente com abusos dos direitos humanos em países aliados do Brasil. Ele vê motivação política na interpretação do documento não oficial encaminhado pela diplomacia brasileira em Genebra, que propõe novas etapas antes da aprovação de resoluções condenando qualquer país. "Ninguém nasceu ontem, [esse mecanismo] existe para certos casos, certos países", desafia. Sobre outro tema polêmico, garante: "O Brasil não apoia o Irã; apoia a paz". A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor, em que Amorim fala também de seus planos pessoais para 2011.
Valor: Ministro...
Celso Amorim: Li agora o documento entregue na ONU; de maneira nenhuma ele procura isentar nenhum país de nada, pelo contrário, o objetivo é tornar as recomendações dos órgãos de direitos humanos mais fáceis de implementar. Diz apenas que o método usado até agora, só condenação aos países, não foi efetivo, não mudou a situação de nenhum país. E há o fato de que as condenações são muito concentradas em uma ou duas regiões. Quando se leu alguma resolução sobre Guantánamo, ou algum país que permitiu que seus serviços de inteligência transferissem presos para lugares onde seriam torturados? Ninguém nasceu ontem, [o mecanismo] existe para certos casos e certos países.
Valor: Todos os países passam por revisões no Conselho...
Amorim: O Brasil lutou muito para ter esse mecanismo universal, todos passam por isso: Brasil, Coreia, Irã, EUA. No documento levado a Genebra se fala em mecanismo para ver se as ações recomendadas podem ser implementadas; vai ter até quem o veja como intrusivo, porque pede informativos, visitas aos países por delegações de Estados-membros, estratégias para implementação das recomendações dos mecanismos de revisão periódica, como implementar recomendações dos outros mecanismos de direitos humanos...
Valor: A questão direitos humanos ganhou fôlego por que...
Amorim: Porque é misto de má fé e ignorância. Ignorância porque não sabem como as coisas correm na realidade da vida, que países aliados militares de outros ficam totalmente isentos. Não vou dar exemplos, não quero romper relações diplomáticas, mas todo mundo sabe disso. Falei há pouco de Guantánamo porque até o presidente Obama falou; e os países cujos serviços de inteligência foram usados para levar presos, isso está noticiado. Não queremos dar refresco para nenhum país, queremos uma maneira que melhore, não para que os que tem complexo de culpa possam botar diploma na parede e dizer: condenei, e não mudar nada. O que me choca é a falta de interesse em melhorar de fato a situação de direitos humanos.
Valor: Mas Cuba e Irã são dois países onde...
Amorim; A mídia está totalmente errada ao dizer que o Brasil apoia o Irã. O Brasil não apoia o Irã. O Brasil apoia a paz, procurou um acordo proposto pelos países ocidentais em relação a energia nuclear, evitar armas nucleares.
Valor: Mas o presidente Lula faz declarações de apoio aos países, como quando compara oposição iraniana à torcida de futebol, diz ser avacalhação intervir por uma condenada à morte por adultério, diz que pode abrigá-la se ela estiver incomodando...
Amorim: Estamos trabalhando pelos direitos humanos, mas nossa maneira de agir é diferente de outros que fazem da hipocrisia sua maneira de principal instrumento. Condenam publicamente e financiam privadamente, em muitos casos.
Valor: Citaria um exemplo?
Amorim: Não.
Valor: Especialistas dizem que o Brasil emite sinais ambíguos, dá impressão de ser advogado dos interesses iranianos...
Amorim: Isso é imaginação, invenção das pessoas. Peguem os comentários feitos pelo Brasil sobre as exposições iranianas no Conselho de Direitos Humanos e verão que há muitas críticas e recomendações. Está disponível.
Valor: Pode citar algumas?
Amorim: Várias: condenação à pena de morte para menores, sobre a situação da mulher. Agora, o Irã, com todos os defeitos, convidou a alta comissária de Direitos Humanos para ir lá, e ela não foi até agora, deve sofrer pressão de alguém para não ir. Não propomos refresco para ninguém. Os métodos tradicionais não funcionam, precisamos encontrar métodos eficazes, e entre eles existe a maneira como implementar as recomendações dessa revisão universal. Isso não é notícia nova sequer, há uma fabricação com objetivos políticos, no noticiário.
Valor: Não só os jornais, as ONGs também se queixam do Brasil....
Amorim: As ONGs estão em sua missão de fiscalizar, como as de meio ambiente, que falam coisas que a gente não concorda, depois nos elogiam. A maneira como encaramos o processo, essa ideia da revisão periódica universal, eu defendi em Genebra, no governo FHC, justamente porque se pretendia tratar com isonomia, não permitir a politização, porque países entravam e outros não.
Valor: Na Guiné Equatorial o senhor falou em negócios; seria tradição de isolar a economia do tema de direitos humanos?
Amorim: Um jornalista me fez uma pergunta, foi totalmente distorcida, sobre negócios com o país. Eu disse: qual manteiga você comprou hoje? Quais companhias de petróleo operam aqui? Não quer dizer que esteja endossando o governo. Não quis dizer que isso guia nossa diplomacia, mas que não se pode confundir as coisas. A manteiga era francesa, as companhias de petróleo, americanas.
Valor: Outra crítica é que o Brasil se propõe a atuar como mediador...
Amorim: Não estamos propondo não, os outros países nos procuram. O presidente da Síria esteve aqui, o [presidente da Autoridade Palestina] Mahmoud Abbas, o presidente de Israel e o presidente do Irã estiveram aqui.
Valor: E na América do Sul, onde o Uruguai pediu em vão ajuda na crise com a Argentina pela instalação de papeleiras na fronteira?
Amorim: Só podemos ajudar quando os dois lados estão interessados, senão em vez de ajudar prejudica. No caso iraniano, recebemos estímulos de países ocidentais e outros para continuar na trilha e tinha óbvios interesses no Irã. Óbvio interesse dos dois lados.
Valor: No caso de palestinos e Israel não havia tanto interesse...
Amorim: Essas coisas têm de ser levadas com delicadeza. Há movimentos sendo feitos, no caso eu, pessoalmente, em decorrência até de pedido de Israel.
Valor: A aproximação com a Síria?
Amorim: Não vou dar detalhes, estive na Síria, Palestina, em Israel. E Turquia.
Valor: O Brasil não poderia ser mais ativo no Mercosul? E as queixas dos uruguaios?
Amorim: Não agimos com imposição, não faz parte de nossa atitude. Há mecanismos persuasórios, mas se não funcionam não adianta forçar, tem de esperar que o momento ocorra.
Valor: A reunião do Mercosul avançou com uma agenda que estava paralisada?
Amorim: O ministro não pode estar o tempo todo presente; lançam-se linhas de ação e elas avançam. Coisas que pareciam impossíveis ocorreram, houve o código aduaneiro, eliminação dos cronogramas, acordo de livre comércio com o Egito, o primeiro com país em desenvolvimento - além do que o Egito por si mesmo é país importante para nós. Tivemos uma coisa que não é comercial, mas é importante, o de gestão do aquífero Guarani. Só podemos exercitar plenamente nossa soberania mediante acordos de cooperação entre os quatro países.
Valor: Mas não falta, como reconheceu na reunião, um cronograma para acabar com as exceções à tarifa comum? Como aplicar um código nas alfândegas com tantas diferenças de tarifa?
Amorim: Uma coisa pressiona a outra, é positivo. A inexistência de uma tarifa externa comum faz com que o mercado comum não se realize plenamente, dificulta até negociações externas. Não se consegue isso de um dia para o outro, mas se fizermos um cronograma -não quero botar números, dez anos, quinze anos que sejam, e umas exceçõezinhas para o final - teremos mecanismo de cobrança sobre nós mesmos . Vamos conseguir dessa vez? Foi grande êxito a reunião, vai até ficar difícil para o Brasil agora porque muitas coisas que estavam represadas saíram. Temos de começar outras iniciativas.
Valor: Os chanceleres e presidentes discutiram as exceções à tarifa externa na última reunião?
Amorim: Falei na minha apresentação. Não houve discussão, estávamos muito concentrados em resolver nossos problemas. No último momento sempre há questões complexas. Até o ultimo momento estávamos empenhados em uma solução razoável para esse problema naquela reunião.
Valor: Era a reivindicação argentina de incluir impostos de exportação no código?
Amorim: Não necessariamente o da Argentina, o Brasil aplicou por muito tempo imposto sobre exportação de couro wet blue...
Valor: O Mercosul vai manter práticas como esse imposto de exportação?
Amorim: A medida em que a gente evolua para uma tarifa externa comum para valer, elimine a dupla cobrança da TEC, trabalhe para eliminar subsídios internos, não faz sentido ter imposto de exportação interno, mas isso será uma evolução.
Valor: Na crise Venezuela e Colômbia, um dos problemas é a presença dos guerrilheiros das Farc na fronteira; não é um problema regional a ser atacado?
Amorim: As Farc nascem de qualquer maneira dentro da Colômbia, qualquer atitude tem de ser combinada com o governo colombiano. Não significa que não vamos melhorar o policiamento na fronteira, isso aliás vale para os dois lados. A ideia do Conselho de Defesa da Unasul é também poder trocar de informação, ter medidas de criação de confiança, incluir medidas desse tipo, certamente com o repúdio a grupos armados sobretudo ligados ao narcotráfico.
Valor: Uribe desmoralizou a Unasul ao preferir denunciar na OEA a presença das Farc na Venezuela?
Amorim: Não desmoralizou, primeiro porque não é problema do Conselho de Defesa; quando se trata de denúncia é problema político. O Conselho é para encaminhar soluções ou que previnam que se chegue a esse ponto (de crise diplomática) ou para encaminhar alguma decisão política. Uma ação de um país não pode desmoralizar uma organização. O presidente Uribe tem direito de fazer a opção que quiser, também é membro da OEA, mas é muito mais provável conseguir solução na Unasul que na OEA.
Valor: Defende a ideia de mecanismo conjunto de fiscalização das fronteiras na região
Amorim: Pode ajudar, mas pode ser bilateral, vamos respeitar as sensibilidades; essas coisas não podem ser impostas.
Valor: Que metas o governo tem para o fim do governo?
Amorim: Resolver bem o que começamos. Sempre disse que o Brasil, até para atuar fora da região, precisa que a região esteja bem organizada e bem integrada. Demos passos importantes, não definitivos, não resolvem os problemas, temos de avançar mais. Não é eliminar as exceções; é como chegar a uma plena tarifa do Mercosul num numero X de anos. Tem sentido não ter acordo de compras governamentais que deem ao Mercosul uma preferência real? Temos de ter acordo de serviços mais amplo, maior liberalização, dar tratamento nacional às empresas do bloco em todos os países. Em vez de negociar setorzinho por setor será que não devemos ter meta para definir, que devem ser alcançadas? Talvez agora, com o fim do nosso governo, esteja na hora de pensar grande novamente no futuro. Essas metas temos de buscar.
Valor: Pode-se fechar o acordo de livre comércio com a União Europeia neste ano?
Amorim: Não quero fazer previsões. Se forem pessimistas, tornam-se auto-cumpríveis; se muito otimistas, dirão que é a proverbial ingenuidade do Itamaraty. Vamos trabalhar, ver até onde avançamos. Acho que dá para avançar, mas, realisticamente, concluir negociação neste semestre, não sei. Aguardamos a resposta deles para nossa oferta agrícola.
Valor: O que há entre EUA e Brasil para Lula falar em decepção com Barack Obama?
Amorim: Não posso fazer juízo assim, o presidente Obama é bem intencionado, muito importante para a política interna dos EUA, foi positivo o que fez na saúde, na disciplina dos bancos, Mas a política americana é complexa, parece não poder tratar de muitos assuntos ao mesmo tempo. Talvez o que o presidente Lula fale é da necessidade de maior compreensão do que é e como mudou a América Latina.
Valor: O embaixador José Botafogo diz que a diplomacia aponta uma série de tarefas, mas confunde importância com prioridade. Se tudo é prioridade, desperdiça esforços.
Amorim: Quando o [secretário-geral do Itamaraty, Antônio] Patriota vai a um determinado lugar me sinto representado. Tanto que esses avanços todos no Mercosul foram obtidos na minha ausência. Quando há necessidade, pode ter certeza de que estamos presentes, como no caso do código aduaneiro no Mercosul.
Valor: O senhor atuou diretamente?
Amorim: Me lembrei de problema parecido, no acordo Trips [direito de propriedade intelectual] da OMC. Garantimos que o assunto fosse mencionado, mas que cada um pudesse considerar-se representado.
Valor: Ministro, já decidiu o que fará no próximo governo?
Amorim: Minha vida não se mede por governos.
Valor: Em 2011, permanece no ministério? Falou com a candidata de seu partido?
Amorim: Não conversei, nem vou criar esse tipo de constrangimento para ela. Uma coisa garanto: não vou criar constrangimento a ninguém. E estou tomando providências: vou dar aulas na UFRJ. Não estou em idade de ensinar teoria, os mais jovens devem saber mais, mas posso transmitir experiência. Outra coisa minha mulher já fez: pedimos o apartamento nosso no Rio, em Copacabana que já está alugado.
Jornal ‘O Estado de S. Paulo’
Caderno: Nacional
Mercosul, o tango que desafinou
Sucessor de Lula terá de resolver os conflitos e a paralisia deixados por uma diplomacia de partido
Rubens barbosa
A América do Sul é, na retórica oficial, a principal prioridade da política externa do governo Lula e a que também apresenta os maiores problemas. A partir de 2003, as ações diplomáticas do Brasil no continente foram influenciadas pela partidarização da política do Itamaraty. Ao colocar em prática a plataforma do partido no poder, a política externa deixou de ser de Estado e passou a ser do PT.
A diplomacia da generosidade em relação a nossos vizinhos, fato inédito nos anais da diplomacia mundial, é uma das consequências da partidarização. Essa generosidade faz-se presente por causa das afinidades ideológicas e partidárias com Bolívia e com o Paraguai e porque o governo quer preservar sua parceria estratégica com Argentina e Venezuela. O Brasil passou a ter uma atitude reativa às propostas da Venezuela (criação do Banco do Sul) e às políticas comerciais da Argentina (restrições contrárias às regras do Mercosul e da OMC a nossos produtos de exportação).
O precedente da tímida reação à nacionalização das refinarias da Petrobrás na Bolívia, em 2006, serviu de estímulo ao Equador, à Argentina e ao Paraguai, que, sem a menor cerimônia, passaram a se sentir no direito de desrespeitar compromissos assumidos com o Brasil.
O Paraguai, querendo a revisão do Tratado de Itaipu, apresentou uma "pauta de reivindicações" que incluiu a exigência de um "preço justo" para a venda da energia excedente de Itaipu e o cancelamento da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da hidrelétrica, sob nosso olhar complacente. Tudo feito sem preocupação com o alto preço a pagar, com os poucos ganhos políticos de nossa parte e sem levar em conta o interesse nacional.
O principal projeto da política externa do governo Lula, o Mercosul, está seriamente abalado e sem perspectiva. Do ponto de vista de uma política externa que seja de fato do interesse do Brasil, a sua preservação, como personalidade jurídica e como um processo mais complexo de integração, deveria ser prioridade do Itamaraty.
O Brasil nada fez para estancar a fragilidade do Mercosul, decorrência do seguido descumprimento do Tratado de Assunção. O Mercosul é hoje uma união aduaneira imperfeita e seus críticos querem que volte a ser área de livre comércio. Caso isso viesse a ocorrer, o desaparecimento da Tarifa Externa Comum poderia, no médio prazo, ser contrário aos interesses da indústria brasileira pela perda das preferências e pela inevitável triangulação, sobretudo com a China.
Os objetivos de longo prazo do Tratado deveriam permanecer. O importante, do ponto de vista do Brasil, é não limitar - como ocorre agora - a margem de manobra na busca de acordos com parceiros comerciais importantes, como a União Europeia e países asiáticos. Essa modificação no Mercosul deveria ser parte de nova estratégia de negociação, mais condizente com os interesses do País. Ao Brasil deve interessar que todos os vizinhos cresçam e prosperem. Como a maior economia da região, o Brasil deveria apoiá-los de forma realista, adequada com esse objetivo. Apesar das resistências, todos os países esperam que o Brasil assuma suas responsabilidades e lidere as propostas de mudanças e de integração regional.
No momento em que a região enfrenta um processo de desintegração política e fragmentação comercial, o Brasil, por não ter claramente definidos seus objetivos, está sem estratégia para promover a integração regional e permanece na defensiva e a reboque dos acontecimentos.
Dentro de uma visão estratégica de médio e longo prazo na região, é do interesse brasileiro:
Reconhecer a prioridade da América do Sul e pautar a atitude em relação aos vizinhos pelos valores defendidos internamente (democracia e direitos humanos) e pelo estrito interesse nacional.
Negociar a ampliação dos acordos bilaterais com todos os países sul-americanos, garantindo aos nossos vizinhos ampla abertura do mercado brasileiro.
Negociar acordos de garantia de investimento para proteger empresas nacionais.
Manter a prioridade do processo de integração regional, com atenção especial a infraestrutura, energia e intercâmbio comercial; e retomar projetos de construção de rodovias e ferrovias de modo a permitir que as exportações de produtos brasileiros para a Ásia saiam a partir de portos do Peru e do Chile, o que é estratégico para nossos interesses comerciais de médio prazo.
Manter o apoio ao Mercosul, como um processo que levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul a longo prazo. Para benefício de todos os países-membros, a resolução que determina que os membros do Mercosul negociem acordos comerciais com uma única voz deveria ser flexibilizada para permitir que cada país possa negociar individualmente sua lista de produtos. Deveria ser feita uma avaliação objetiva sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.
Reexaminar a melhor forma de participação do Brasil nas recém-criadas instituições sul-americanas (Unasul, Celalc, Conselho de Defesa).
O crescente peso econômico do Brasil na América do Sul e no contexto global, além da intensa participação nos temas globais e no grupo dos BRIC exigirão respostas rápidas e transparentes aos desafios do novo quadro político na região. Caso a economia continue a crescer a altas taxas de maneira sustentável, a América do Sul e o Mercosul ficarão pequenos para o Brasil.
Ao contrário da percepção oficial, a política externa brasileira na América do Sul é uma bomba de efeito retardado que o atual governo deixará para seu sucessor.
Com Serra, uma diplomacia clássica
A meta tucana é dar uma guinada, para longe do Irã, de Chávez, de Cuba. E com o comércio gerido por uma SuperCamex, sem o Itamaraty
Patrícia Campos Mello
Rever o Mercosul, afastar-se de países não-democráticos como Cuba, Irã e ditaduras africanas, e abandonar o viés ideológico da política comercial são as linhas-mestras da plataforma de política externa do candidato José Serra (PSDB). Mas o assunto está longe de ter um grande destaque nas propostas de governo dos dois candidatos da oposição.
Mas, segundo apurou o Estado, as diretrizes do tucano vão propor a flexibilização do Mercosul, liberando o Brasil para buscar acordos bilaterais, e a criação de uma SuperCamex, nos moldes do United States Trade Representative (USTR), que daria à política comercial do País status de ministério, subordinado à Presidência. De quebra, seria uma maneira de "despolitizar" a política comercial e acabar com a grande influência do Itamaraty sobre o assunto.
Não existe um núcleo formal dentro da campanha de Serra para debater o assunto, mas há três nomes ouvidos pelo candidato e que apresentam sugestões. Na área de comércio exterior, Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, e Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da FIESP e ex-secretário executivo da Camex no governo FHC. Para política externa, o mais ouvido é Sérgio Amaral, que foi porta-voz do governo FHC e cotado para ser chanceler em um eventual governo tucano. Xico Graziano, o coordenador do programa de governo de Serra, supervisiona.
Os tucanos minimizam a política de diversificar os destinos de exportação brasileira, uma das grandes bandeiras do governo Lula. Para os petistas, foi essa diversificação que permitiu ao Brasil passar quase incólume pela crise financeira mundial. Os tucanos afirmam que a estratégia seguiu motivos políticos e não trouxe benefícios concretos, pois as vendas para África e Oriente Médio, por exemplo, continuam sendo minúsculas. Uma aposta mais acertada, argumentam, seria aprofundar os acordos na América do Sul, liberar o Brasil para mais acordos bilaterais e intensificar as relações com os EUA.
Na visão dos tucanos, a diplomacia da era Lula associou o Brasil a nações não democráticas, prejudicando seu "soft power" e sua capacidade de liderança global. Serra já afirmou que o líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad, integra a "turma de ditadores" da história, como Adolf Hitler e Josef Stalin. "O que ganhamos com essa aproximação? Nada. E perdemos muito em imagem e credibilidade", diz Sérgio Amaral. "Este governo tem a tendência de ver o mundo através de afinidades ideológicas, e nem sempre é assim."
Para Amaral, apostar no G-20 é exemplo de atuação construtiva do Brasil, que deve se aprofundar, enquanto associar-se ao Irã na questão nuclear não é. Os tucanos minimizam o fato de o Brasil ter adquirido um destaque maior no cenário internacional durante o governo Lula. As diretrizes de Serra devem abordar o que a campanha chama de "falso protagonismo" do Brasil, ao se oferecer de mediador de assuntos polêmicos como o conflito do Oriente Médio e a questão nuclear no Irã.
Amaral admite que o carisma do presidente Lula ajudou o Brasil a conseguir mais espaço no cenário internacional, mas entende que os presidentes dos outros países são pragmáticos. "Se o novo presidente, seja quem for, levar adiante políticas que são importantes, será respeitado internacionalmente", diz . Sua avaliação é que o Brasil tem a desempenhar, na América do Sul, um papel que até agora não conseguiu. "Se você não consegue propor uma visão para a América do Sul e atuar em conflitos aqui, como o das papeleiras (conflito entre Uruguai e Argentina por causa de instalação de indústrias de celulose na fronteira), qual é o sentido de tentar resolver o conflito no Oriente Médio?"
A cobrança já foi comentada por José Eduardo Dutra, presidente do PT. "O efeito principal da política externa se dá na economia, nas relações comerciais. Dizia-se que, se a gente não embarcasse na Alca, seria uma tragédia para o Brasil. A Alca já foi sepultada. E qual o resultado de nossa política externa? Até 2002, 60% das exportações brasileiras eram para a União Europeia, Estados Unidos e Japão. Hoje, esses três representam menos de 40%. Tivemos uma diversificação que permitiu um desempenho melhor durante a crise."
Um dos projetos centrais dos tucanos, em um eventual governo Serra, é despolitizar a política comercial - criando uma SuperCamex, órgão com status de ministério dedicado a conduzir a política comercial do País. "Hoje em dia, o Itamaraty tem o controle da política comercial", diz Rubens Barbosa.
"Queremos uma espécie de USTR, subordinado à Presidência, que seria uma Camex fortalecida." Para Barbosa e Roberto Giannetti, a Camex vive relegada a um comando de terceiro escalão. Se fosse promovida a ministério, daria maior prioridade à política comercial. "Os outros ministérios como o da Agricultura e o Itamaraty, precisam se subordinar à Camex para decisões de comércio exterior", diz Barbosa. "Se o Itamaraty, por exemplo, quer um acordo com a Rússia, precisa passar pela Camex." Uma ideia seria o próprio Serra coordenar essa SuperCamex nos primeiros seis meses de governo.
O candidato tucano avalia que o Mercosul tem falhas graves. Define-o como "uma farsa" e "uma barreira para que o Brasil possa fazer acordos comerciais". Não se trata de extingui-lo, avisa Rubens Barbosa, mas de flexibilizá-lo: "Precisamos liberar o País para procurar acordos bilaterais". Hoje em dia, o Mercosul é uma união aduaneira, estrutura que exige concordância de todos os sócios para se fechar um acordo comercial, e uma tarifa externa comum para importação de terceiros países. Giannetti e Barbosa defendem retroceder a um estágio anterior, apenas de livre comércio, liberando os países do bloco para fazer acordos bilaterais.
Essa ideia de flexibilização deverá constar das diretrizes de política externa do programa de Serra. "Nos últimos cinco anos, 100 acordos bilaterais de comércio foram fechados no mundo, mas o Brasil fechou apenas um, com Israel", diz o texto proposto.
Na relação com a Argentina, os tucanos pregam um endurecimento. Esse país, na avaliação de Barbosa, "está desrespeitando regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), violando o tratado com as sucessivas medidas protecionistas contra produtos brasileiros". A decisão do governo brasileiro de ceder ao Paraguai na renegociação das tarifas de energia excedente de Itaipu é para ele "outro exemplo da política de generosidade do governo".
Serra também tem feito críticas ao governo do presidente boliviano Evo Morales: os bolivianos, em seu entender, estariam fazendo "corpo mole" em relação ao tráfico de drogas e o governo seria "cúmplice" disso. O governo Lula reagiu com ironias. "Serra está tentando ser o exterminador do futuro da política externa. Já destruiu o Mercosul, quer destruir nosso relacionamento com a Bolívia e já disse que Mahmoud Ahmadinejad é um Hitler", comentou o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia.
O melhor caminho, segundo os tucanos, seria aprofundar os acordos existentes na América do Sul, enquanto se buscam novos acordos bilaterais. E Amaral diz que é preciso fazer valer as regras do bloco. "A Argentina impõe barreiras, nós entendemos. A Bolívia se apropria da Petrobrás, o Brasil entende. Não dá para só compreender e tolerar; sendo condescendentes com a violação das regras, nós estamos desfazendo as instituições do bloco", diz o ex-porta-voz de FHC.
A Rodada Doha de negociações comerciais, outra prioridade no governo Lula, poderia ficar de molho em um governo tucano. "No governo Lula, ficaram oito anos preocupados com Doha e descuidaram do resto", ataca Barbosa. "A ideia é esquecer Doha por enquanto e agilizar acordos bilaterais", sugere Amaral. O governo atual, diz ele, orienta-se "por uma realidade ultrapassada, com uma mentalidade pré-fim da Guerra Fria". Um exemplo disso, segundo ele, são as alianças de países de Terceiro Mundo para chegar a mudanças. A China fez outra coisa: "Abandonou essa visão norte e sul e atua em simbiose com os EUA. A Índia também, e foi reconhecida como potência nuclear ao assinar um acordo nuclear com Washington."
Ele também acha que está na hora de o Brasil reativar o relacionamento com os EUA. "Por muito tempo os EUA foram vistos com desconfiança, e com motivo, por causa de suas ingerências em questões financeiras, de comércio e política interna dos países da região", diz. "Mas hoje as circunstâncias são totalmente diferentes. O novo presidente tem uma proposta de não ingerência nos assuntos dos países, de multilateralismo. Ele representa muito do que nós queríamos. Podemos adotar uma política de confiança."
A relação com a Casa Branca, que azedou após divergências no caso de Honduras e do Irã, precisa ser resgatada, acredita a oposição. O Brasil costurou com a Turquia um acordo para troca de combustível nuclear do Irã. Para os EUA, o acordo era insuficiente e ameaçava o consenso necessário à adoção de sanções contra os iranianos no Conselho de Segurança da ONU. A posição do Departamento de Estado era que o Brasil mostrava-se "ingênuo" e estava sendo usado pelo Irã - cujo objetivo, segundo eles, era apenas ganhar tempo. A secretária de Estado americana , Hillary Clinton, anunciou sanções um dia depois de o Itamaraty comemorar o acordo com a Turquia - o que irritou profundamente o governo brasileiro.
Essa decisão deu origem a várias críticas contra o presidente Barack Obama. O governo brasileiro se sentiu traído pela Casa Branca, que não esperou os resultados do acordo mediado pelo Brasil. Lula entendeu que Obama estava dando um tiro no pé ao endurecer contra o Irã. "Não foi uma atitude de quem ganhou o Nobel da Paz", afirmou.
Outra divergência ocorre no caso de Honduras. Os americanos acham que o Brasil tem sido duro demais com o presidente eleito, Porfírio Lobo, e intransigente em sua defesa do líder deposto Manuel Zelaya - o que estaria atrapalhando a reconstrução da estabilidade política dos hondurenhos.
A Casa Branca vê os movimentos do Brasil com reservas. Uma das consequências disso é que a visita de Obama ao País deve ficar para o próximo governo. Amaral resume o impasse: "Não dá para ter uma política de defesa da democracia em Honduras, e uma diferente em Cuba".
'Há mais barulho que ruptura'
O Brasil ficou importante e sua política externa já não é só do Itamaraty, adverte Maria Hermínia Tavares, da USP. Em meio ao debate sobre ruptura de alianças, ela lembra uma tradição da diplomacia: "O Brasil não briga com ninguém"
Gabriel Manzano
O debate sobre política externa tem provocado um certo barulho, mas o que se vê é muito mais continuidade do que ruptura. O fato é que certas tradições nacionais, como a independência no agir e a vocação para negociar já estão no DNA de nossa diplomacia - ninguém tira mais. Então, por que o barulho? "Simplesmente porque o Brasil ficou importante", resume a professora Maria Hermínia Tavares, diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP. E num País importante diplomacia não é exclusividade de um ministério. "O que o Brasil diz ou faz lá fora é medido, pesado e cobrado no Congresso, em outros ministérios, nas empresas, entre formadores de opinião."
A professora não entra no fogo cruzado dos partidos. Prefere repassar um fio mais longo da história, juntando os últimos 16 anos de forte diplomacia presidencial - "sendo a atual, de Lula, num estilo mais agressivo, com apostas mais arriscadas". Isso pode levar a grandes resultados - "basta ver o que se diz do Brasil lá fora" -, mas também a equívocos, como em Honduras, em Cuba. "Neste segundo caso, o erro foi não perceber que a situação na ilha mudou. Faltou sensibilidade para prever que é impossível o país continuar daquele jeito." E daqui para a frente? "Acho que o clima vai ser outro. Tanto José Serra como Dilma Rousseff ou Marina Silva são figuras menos importantes na cena internacional."
O Brasil abre frentes por todo lado, em busca de espaços, e até compra brigas com grandes potências. Para onde isso aponta?
Essas novas possibilidades têm que ver com os ganhos internos. Não foi pouca coisa essa rota virtuosa de estabilidade, crescimento e democracia nos últimos 16 anos. Somos vistos como uma grande democracia de massas, estável. Isso nos deu respeitabilidade e espaço para uma posição mais atuante. Um dos efeitos disso foi que desapareceu o consenso que havia antes, na nossa diplomacia. Ela agora virou tema da agenda nacional. Mas no fundo a missão é a mesma: aumentar o protagonismo do País. O governo FHC abriu o caminho, nas primeiras disputas com a Organização Mundial do Comércio. O governo Lula levou isso adiante, afirmando seus objetivos de outro modo. Não sei se é tão ruim assim acabar com o consenso. A condição para que ele existisse seria, a meu ver, manter a política externa encapsulada no Itamaraty.
À parte a polêmica, o governo está certo no que faz?
O objetivo é sempre aproveitar as oportunidades para alavancar o desenvolvimento. Influir como um negociador que aposta no multilateralismo. Isso tem sido feito. Nesse contexto se destaca a importante decisão, tomada no governo FHC, de assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Fizemos ali a opção de buscar um papel importante, no mundo, mas abrindo mão de um recurso significativo, a bomba.
A propósito, uma das polêmicas de agora é se o País deve assinar o Protocolo Adicional do TNP, que permitirá a agentes da ONU vir fiscalizar nossos reatores nucleares.
O importante, nessa questão, é entender que a bomba é um recurso que vai perdendo a importância. Ela afeta cada vez menos os grandes temas. Você não resolve os temas comerciais, os ambientais e muitos outros com o chamado poder duro, o hard power, como definiu o americano Joseph Nye. O País apostou no soft power, e isso teve um grande impacto no debate dos conflitos da América Latina. Garantiu ao continente clima e espaço para conversar sobre suas diferenças em ambiente pacífico.
A sra. chamaria de ruptura o que o Itamaraty vem fazendo, comparado com a era FHC?
Acho que há mais continuidade do que ruptura entre um governo e outro. Claro que há diferenças. O governo Lula tem uma política externa mais agressiva, mais arriscada. Assim é possível que tanto erros como acertos apareçam mais. Lula apostou numa conexão que é mais Sul, mas não é completamente isso. Todos sabem, no governo, que estamos na América, que a ligação com os Estados Unidos continuará decisiva. Mas também se apostou no Haiti, e deu certo. Diziam no início que era melhor não se meter ali. Hoje ninguém diz isso mais.
O Mercosul era prioridade, mas empacou.
Entendo o Mercosul como um elemento de continuidade, ele começou antes do governo Lula. Mesmo o compromisso com a união aduaneira, que é o que nos amarra, foi decidido ainda no governo Collor. O que Lula fez foi acrescentar uma dimensão política. Convém lembrar também que, antes, era mais fácil. Os governos da região eram mais convergentes, era o momento das reformas de mercado. O Hugo Chávez estava apenas começando. A diversificação, de lá para cá, não dependeu do Brasil. E nossa dimensão negociadora dificultou uma ação mais afirmativa. O Brasil não briga com ninguém, e isso não é de agora.
O que se cobra é que nossa diplomacia passou a defender, nessas relações, uma visão de partido político, não o interesse nacional.
Não tenho tanta certeza de que foi isso. Claro que há uma retórica mais agressiva. Você tem de lidar com governos que querem rever os contratos, como o Paraguai em Itaipu. Vamos fazer o quê? Romper relações com os paraguaios?
Pode-se exigir, em fóruns internacionais, que ele cumpra o contrato.
Não tenho tanta certeza de que seja uma forma adequada de lidar com o caso. Talvez pudesse falar mais duro, mas de alguma maneira tem de lidar com as críticas. O governo às vezes é criticado por ser duro, outras por não ser.
A estratégia em Honduras foi adequada?
O governo errou em Honduras. Não vejo sentido naquilo. No primeiro momento, estava todo mundo defendendo, a OEA também. Mas no segundo, aceitando Manuel Zelaya lá dentro, ficou complicado...
E a relação com Cuba?
Também acho que há um erro em Cuba. Por não se perceber que a situação da ilha mudou. Nossa posição com eles vêm desde o governo Sarney. Mas agora a situação está mudando e o Brasil não teve sensibilidade para prever que é impossível continuar daquele jeito. Acho que aí, de fato, pesaram os níveis partidários, pessoais. Foi um erro não perceber que os direitos humanos estão adquirindo uma centralidade importante na agenda internacional.
A questão dos direitos humanos também tem despertado polêmica.
No caso de Darfur também o governo agiu de modo inadequado. No caso com o Irã, acho que o presidente tentou uma jogada arriscada, para trazê-los à negociação. Se desse certo... Mas a grande pergunta nesse caso é: o que o Brasil ganha, entrando nessa disputa? O Irã nuclear é um assunto dos poderosos do Conselho de Segurança da ONU, um jogo de cachorro grande. Aliás, tenho a sensação de que o governo Lula abriu frentes demais. Por exemplo, não sei o que o Brasil quer na África. Nossos interesses ali não estão claros.
Com o próximo presidente, seja Serra ou Dilma, esse perfil muda?
Me parece que tanto Serra como Dilma são figuras menos visíveis internacionalmente.
Vender não é preciso
As incertezas quanto ao futuro dos mercados e o temor de que aumente o protecionismo dão [br]o sinal de alerta: a margem de manobra na disputa comercial, já escassa, pode ficar ainda menor
O cubano Guillermo Fariñas em greve de fome: mistura entre negócios e princípios ignora o exemplo do Barão do Rio Branco: "Não venho servir a um partido político"
A valiar os rumos da política comercial do sucessor de Lula requer análise do que foi a política comercial brasileira nos últimos oito anos e a partir daí considerar os cenários básicos de continuidade ou ruptura, dependendo da vitória de Dilma Rousseff ou de José Serra.
Até mesmo os mais entusiastas defensores da política externa patrocinada pelo triunvirato Garcia-Amorim-Guimarães terão dificuldade em listar iniciativas de política comercial que tenham tido real relevância nos dois mandatos do presidente Lula. A predominância dos objetivos estritamente políticos na agenda de política externa foi marcante. Só as fracassadas negociações multilaterais na OMC caracterizaram exceção importante. Mesmo assim, a sua prioridade na agenda do Itamaraty decorreu em boa medida de argumentos políticos relacionados à posição proeminente do Brasil na coalizão do G-20 a partir do fracasso da reunião de Cancún, em 2003.
No mais, o que se viu foi o enterro da ALCA depois de longa agonia, já iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, e uma postura de protelação sistemática de qualquer solução durável das inúmeras dificuldades de implementação de um Mercosul para valer. No colapso da ALCA, o governo quase que fez questão de proclamar prematuramente a sua aversão a uma iniciativa de integração hemisférica que incluísse os EUA. E, no entanto, parecia óbvio que a ALCA não poderia prosperar sem que houvesse disposição política do governo dos EUA quanto a concessões agrícolas, especialmente ao Mercosul.
As "alianças estratégicas" com as grandes economias em desenvolvimento restringiram-se a juras de cooperação política. As preferências negociadas com Índia e África do Sul retratam bem a mediocridade das ambições de liberalização comercial.
A escolha da França como "parceiro estratégico" desenvolvido, manifestação indireta das reticências em relação aos EUA, não teve implicações práticas em fazer avançar as negociações comerciais estagnadas com a União Europeia. De fato, vista de Paris, a parceria estratégica parece ganhar proeminência quando se trata de vender caças e ficar inativa quando se trata de fazer concessões agrícolas relevantes.
A posição do Brasil foi ativa e construtiva nas negociações da Organização Mundial do Comércio que atolaram em 2008. Foi talvez o único bom momento da política externa brasileira desde 2003. Mas mostrou-se inviável manter a coesão do G-20.
O Itamaraty, entusiasmado com a liderança brasileira, e com o olho no almejado Conselho Permanente da ONU, subestimou as diferenças entre os interesses comerciais do Brasil, produtor agrícola eficiente, e os da China e da Índia. O G-20 foi bom de bloqueio, mas ruim de ataque. Enquanto o Brasil pensava em G-20, China e Índia pensavam em G-33 e G-90, coalizões comprometidas com o protecionismo agrícola.
E a política comercial de Dilma e Serra? Nada indica que a eleição de Dilma possa significar ruptura relevante em relação à sua herança. Grandes negociações comerciais bilaterais ou multilaterais parecem improváveis. Nas negociações na OMC, o Brasil mostrou pouca disposição em reduzir significativamente as suas tarifas sobre produtos industriais.
Dada a reciprocidade que caracteriza as negociações na OMC, o espaço para redução do protecionismo agrícola, demanda principal brasileira, foi restrito pelas limitações das ofertas tarifárias industriais das economias em desenvolvimento.
Há indícios claros de recrudescimento do protecionismo no Brasil como, por exemplo, a provisão extremamente generosa de crédito público subsidiado e o tratamento preferencial de provedores nacionais nas licitações públicas. A nostalgia protecionista sugere que a escassa margem de manobra nas negociações comerciais poderá ter sido ainda mais reduzida. A ênfase da candidata na defesa da participação ativa do Estado na provisão de bens e serviços agrava este quadro. A mixórdia do Mercosul não parece preocupá-la. Por outro lado, alguns de seus comentários têm indicado ser bastante improvável uma reversão da postura antiamericana que caracteriza a diplomacia do atual governo (a despeito de desmentidos meio perfunctórios). No melhor dos casos, mais do mesmo?
José Serra tem feito críticas à política externa de Lula e demonstrado preocupação em perseguir substância em lugar de forma. Fez críticas também à postura do Brasil em relação ao Irã e - provavelmente menos razoáveis - à Bolívia. Tem insistido na necessidade de uma política comercial "agressiva", sem detalhar quais seriam os alvos preferenciais das possíveis iniciativas brasileiras.
Sua insatisfação com o estado de coisas quanto ao Mercosul é conhecida. Acredita, e tem razão, que são custosas as limitações impostas por parceiros do Mercosul, e especialmente a Argentina, a possíveis iniciativas brasileiras de celebração de acordos comerciais bilaterais.
O que não está elucidado é se José Serra, como presidente, realmente renegará seus entusiasmos protecionistas e se realmente acredita que "um libera de um lado, outro de outro; num acordo bem feito os dois saem ganhando" .
A política comercial que melhor serviria aos interesses nacionais deveria estar calcada na simultânea redução do protecionismo no Brasil e nos seus parceiros comerciais através de acordos bilaterais e no âmbito da OMC. Deveria ser combinada à maciça renovação da infra-estrutura e a políticas efetivas de inovação tecnológica e educacionais que melhorem a capacidade competitiva brasileira. Os dois candidatos parecem longe desse programa. Dilma mais longe do que Serra.
No novo mapa do mundo, o país está maior
Uma boa política externa exige prudência, mas também ousadia. Em oito anos, o Brasil mudou de patamar, diz o chanceler
"Na ONU, como no FMI, nos BRICs, a maior capacidade de articulação Sul-Sul eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. A formação do G-20 mudou o padrão decisório nas negociações comerciais."
Há sete anos, quando se falava na necessidade de mudanças na geografia econômica mundial ou se dizia que o Brasil e outros países já deveriam desempenhar papel mais relevante na OMC ou integrar de modo permanente o Conselho de Segurança da ONU, muitos reagiam com ceticismo. O mundo e o Brasil têm mudado a uma velocidade acelerada, e algumas supostas "verdades" do passado vão se rendendo à evidências dos fatos. O diferencial de crescimento econômico em relação ao mundo desenvolvido tornou os países em desenvolvimento atores centrais na economia mundial.
A maior capacidade de articulação Sul-Sul - na OMC, no FMI, na ONU e em novas coalizões, como o BRIC - eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. Quanto mais os países em desenvolvimento falam e cooperam entre si, mais são ouvidos pelos ricos. A recente crise financeira tornou ainda mais patente o fato de que o mundo não pode mais ser governado por um condomínio de poucos.
O Brasil tem procurado, de forma desassombrada, desempenhar seu papel neste novo quadro. Completados sete anos e meio do governo do Presidente Lula, a visão que se tem do País no exterior é outra. Já não precisamos ouvir os líderes mundiais e a imprensa internacional para sabermos que o Brasil tem um peso cada vez maior na discussão dos principais temas da agenda internacional, de mudança do clima a comércio, de finanças a paz e segurança.
Países como Brasil, China, Índia, África do Sul, Turquia e tantos outros trazem uma maneira nova de olhar os problemas do mundo e contribuem para um novo equilíbrio internacional.
No caso do Brasil, essa mudança de percepção deveu-se, em primeiro lugar, à transformação da realidade econômica, social e política do País. Avanços nos mais variados domínios - do equilíbrio macroeconômico ao resgate da dívida social - tornaram o Brasil mais estável e menos injusto. As qualidades pessoais e o envolvimento direto do presidente Lula com temas internacionais ajudaram a alçar o Brasil à condição de interlocutor indispensável nos principais debates da agenda internacional.
Foi nesse contexto que o Brasil desenvolveu uma política externa abrangente e pró-ativa. Construímos coalizões que foram além das alianças e relações tradicionais, as quais tratamos de manter e aprofundar, como no estabelecimento da Parceria Estratégica com a União Europeia ou do Diálogo de Parceria Global com os Estados Unidos.
O crescimento expressivo de nossas exportações para os países em desenvolvimento e a criação de mecanismos de diálogo e concertação, como a Unasul, o G-20 na OMC, o Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) refletiram essa orientação de uma política externa universalista e livre de visões acanhadas sobre o que pode e deve ser a atuação externa do Brasil.
A base dessa nova política externa foi o aprofundamento da integração sul-americana. Um dos grandes ativos de que o Brasil dispõe no cenário internacional é a convivência harmoniosa com sua vizinhança. O governo do presidente Lula empenhou-se, desde o primeiro dia, em integrar o continente sul-americano por meio do comércio, da infraestrutura e do diálogo político. O Acordo Mercosul-Comunidade Andina criou, na prática, uma zona de livre comércio abrangendo toda a América do Sul. A integração física do continente avançou de forma notável, inclusive com a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Nossos esforços para a criação de uma comunidade sul-americana (CASA) resultaram na fundação de uma nova entidade - a União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
Sobre as bases de uma América do Sul mais integrada, o Brasil ajudou a estabelecer mecanismos de diálogo e cooperação com países de outras regiões, fundados na percepção de que a realidade internacional já não comporta a marginalização do mundo em desenvolvimento. A formação do G-20 da OMC, na Reunião Ministerial de Cancún, em 2003, marcou a maioridade dos países do Sul, mudando de forma definitiva o padrão decisório nas negociações comerciais.
O IBAS respondeu aos anseios de concertação entre três grandes democracias multi-étnicas e multiculturais, que têm muito a dizer ao mundo em termos de afirmação da tolerância e de conciliação entre desenvolvimento e democracia. Além da concertação política e da cooperação entre os três países, o IBAS tornou-se um modelo em projetos em favor dos países mais pobres, demonstrando, na prática, que a solidariedade não é um apanágio dos ricos.
Também lançamos as cúpulas dos países sul-americanos com os países africanos (ASA) e com os países árabes (ASPA). Construímos pontes e políticas entre regiões que vivem distantes umas das outras, em que pesem as complementaridades naturais. Essa aproximação política resultou em notáveis avanços nas relações econômicas. O comércio do Brasil com países árabes quadruplicou em sete anos. Com a África, foi multiplicado por cinco e chegou a mais de US$ 26 bilhões, cifra superior à do intercâmbio com parceiros tradicionais como a Alemanha e o Japão.
Essas novas coalizões estão ajudando a mudar o mundo. No campo econômico, a substituição do G-7 pelo G-20 como principal instância de deliberação sobre os rumos da produção e das finanças internacionais é o reconhecimento de que as decisões sobre a economia mundial careciam de legitimidade e eficácia sem a participação dos países emergentes.
Também no campo da segurança internacional, quando o Brasil e a Turquia convenceram o Irã a assumir os compromissos previstos na Declaração de Teerã demonstraram que novas visões e formas de agir são necessárias para lidar com temas antes tratados exclusivamente pelos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Apesar dos ciúmes e resistências iniciais a uma iniciativa que nasceu fora do clube fechado das potências nucleares, estamos seguros de que a direção do diálogo ali apontada servirá de base para as negociações futuras e para a eventual solução da questão.
Uma boa política externa exige prudência. Mas exige também ousadia. Não pode fundar-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum ouvirmos que os países devem atuar de acordo com seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los.
Ao longo desses quase oito anos, o Brasil atuou com desassombro e mudou seu lugar no mundo. O Brasil é visto hoje, mesmo pelos críticos eventuais, como um país ao qual cabem responsabilidades crescentes e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta.
Dilma, nas pegadas de Lula
O projeto da candidata do PT é manter o eixo central da diplomacia lulista, lutando por um espaço nos grandes conflitos
Para Marco Aurélio Garcia, que coordena o programa de Dilma, ela "não é o Lula de saias, mas também é firme em suas posições". E compara: quem não entra em questões espinhosas "não pode ser presidente nem do Corinthians"
Em uma eventual vitória do PT nas eleições presidenciais, a candidata Dilma Rousseff vai manter as incursões da política externa brasileira em assuntos polêmicos - ela pretende, inclusive, continuar tentando ter uma voz em conflitos como o do Oriente Médio e da questão nuclear iraniana, a exemplo do que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço internacional que é absolutamente compatível com as ideias da Dilma e com sua própria personalidade", disse ao Estado Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais e principal formulador do programa de governo da candidata. "Quem não entra em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians." Marco Aurélio é a alma da política externa da petista. O mais cotado para chanceler em um eventual governo Dilma é o atual secretário-geral do Itamaraty, Antonio Patriota. Dilma encara a diversificação de mercados do governo Lula e aproximação com emergentes como um grande trunfo e pretende mantê-las, se chegar ao Planalto. Segundo Marco Aurélio, a "opção sul-americana" iria se aprofundar - ele vê países como a Venezuela e Colômbia fabricando equipamentos para o pré-sal brasileiro. Rebate as acusações de que o posicionamento do Brasil de não condenar o desrespeito a direitos humanos em países como o Irã e Cuba prejudique a reputação do País: "O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias, o Brasil opera em episódios de direitos humanos de forma prática". E mantém vivas as críticas aos EUA: "Se os EUA insistem que temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, isso não vai acontecer."
Boa parte da visibilidade do Brasil no cenário internacional está ligada ao presidente Lula. Como seria isso em um governo Dilma?
A Dilma é diferente e não pretende ser o Lula de saias. Ela vai ter seu estilo. Lula tem uma prodigiosa intuição, já a Dilma é uma pessoa de formação acadêmica, muito assertiva, firme em suas posições.
O Brasil manterá, se ela for eleita, o high profile de política externa?
Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço e responsabilidades internacionais absolutamente compatíveis com as ideias de Dilma e com a própria personalidade de Dilma.
Dá para ver a Dilma tentando mediar o conflito do Oriente Médio?
Por que não?
O que dá para fazer para melhorar o relacionamento com os EUA? Há ruídos, criados pelas divergências em Honduras, no Irã...
Não fomos nós que criamos ruídos. Se os EUA insistem que nós temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, evidentemente, isso não vai acontecer. Precisamos ter paciência, vamos ver o que ocorre nas eleições nos EUA. Tivemos relações tão boas com os republicanos...
A química era melhor com o Bush?
Lula não apenas se declarou contra a guerra do Iraque, como começou a fazer uma articulação internacional. Em um tema tão crucial para o Bush, o Brasil soube se diferenciar e mesmo assim manter as relações com eles. O Bush veio aqui duas vezes, qual presidente americano veio duas vezes ao Brasil?
E o Obama não veio, e provavelmente não virá neste ano.
Durante um período não veio porque estava sem embaixador. Nós somos sensíveis às dificuldades que Obama enfrenta.
O presidente Lula ainda está chateado com Obama por causa do episódio do Irã?
O presidente Lula está um pouco decepcionado, porque tem muita estima pelo Obama. E uma grande expectativa.
Houve mudança na política dos EUA para a região?
Pouca. Os EUA deveriam ter sido mais peremptórios em Honduras. Não foram, sofreram pressão forte de conservadores.
Digamos que até o fim do ano, ou daqui a dois, o Ahmadinejad apareça com uma bomba nuclear. Com que cara o Brasil vai ficar?
O Brasil condenará duramente. Mas o Irã não vai aparecer com uma bomba.
Como é que vocês têm certeza?
Os americanos dizem que eles não têm. Nós estamos tentando impedir que eles tenham, e a melhor maneira é falando com eles.
Foi uma vitória para a diplomacia brasileira, apesar de o acordo não ter sido aceito?
Nós propusemos um caminho, que foi desconsiderado pelos EUA de forma brusca, ríspida e inamistosa.
No caso da Dilma, ela entraria também nessas questões espinhosas?
É claro, quem não está disposto a entrar em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians.
Uma crítica da oposição: porque não vamos mediar as papeleras no Uruguai em vez de um problema no Oriente Médio?
Quisemos mediar o caso das papeleras, não foi aceita nossa mediação. Mediamos Equador e Colômbia, Venezuela e Equador. Recebemos aqui o Shimon Peres, o Mahmoud Abbas, o Ahmadinejad, o Bashar Al Assad, da Síria, e todos pediam que interviéssemos...
Talvez porque o Brasil evite fazer julgamentos sobre respeito aos direitos humanos?
Não é verdade, temos uma posição objetiva, temos votos no Conselho a ONU...
Mas o Brasil se abstém em votos de condenação ao desrespeito dos direitos humanos.
Essa posição de abstenção é histórica do Itamaraty, vem lá de trás.
E por quê?
Porque não queremos ser seletivos e politizar circunstâncias. As pessoas sabem de muitos países que têm gravíssimos problemas de direitos humanos, mas com os quais os EUA se dão muito bem, como a Colômbia. Os americanos têm complacência com países onde há apedrejamento a mulheres. O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias . Ele opera em episódios de direitos humanos de forma prática. Quando há violações, nós agimos.
E na eleição do Irã?
Não sei qual é o problema da eleição do Irã.
Mataram manifestantes e prenderam oposicionistas. Isso não é um problema?
Sim, mas não é problema da eleição.
Mas prenderam membros da oposição...
Fizemos várias "démarches" junto ao Irã.
Lula comparou presos cubanos a presos comuns. Não é hora de ser mais assertivo em relação a direitos humanos em Cuba?
Eu conheço Cuba suficientemente para saber que qualquer declaração assertiva produz efeitos opostos.
E no Conselho de Segurança da ONU, continuamos buscando assento permanente?
Entramos em um período de transição que vai em direção a um mundo multipolar. Temos indícios econômicos e políticos da preeminência do sul sobre o norte. Ibas, BRICs, diálogo Sul-Sul, e episódios como Irã mostram isso. O episódio do Irã foi a entrada na cena internacional de dois personagens que não tinham sido convidados, que entraram com uma proposta importante.
O Brasil deveria fazer isso sempre?
Os países vão fazer normalmente, porque não podemos viver hoje sob a tutela de um sistema mundial que foi criado em 1945 e que hoje não tem mais impacto.
O que o sr. acha de flexibilizar o Mercosul e liberar o Brasil para acordos bilaterais?
Bobagem, porque não são os nossos parceiros que estão nos criando dificuldades. No caso da União Europeia foi a Argentina... Os problemas com a Argentina podem ser completamente resolvidos.
Não é necessário o Brasil se mostrar mais ativo em acordos bilaterais sozinho?
Podemos fazer isso com o Mercosul. O Mercosul não é, ao contrário do que o (candidato do PSDB, José) Serra tem dito, um estorvo. Nessas propostas de o Brasil fazer carreira solo em negociações bilaterais há, no fundo, uma tremenda nostalgia da Alca.
O fato de o Brasil não ter fechado nenhum acordo bilateral, a não ser com Israel, nos últimos anos, não indica problemas?.
Capitaneamos um esforço coletivo que seria muito mais abrangente e levamos isso às últimas consequências (a Rodada Doha). Quem barrou? EUA e Índia. Agora a Índia está de acordo, mas os americanos não querem.
Doha continuaria como a grande aposta num próximo governo?
Eu estou cético. Vamos fortalecer uma negociação com a União Europeia.
Quais seriam os ajustes na política externa em um governo Dilma?
Temos de aprofundar a opção pela América do Sul, avançar nos projetos de substituição de importação com presença de capitais brasileiros, na Venezuela, na Bolívia.
Haverá proteção de contratos, para não repetir o problema da Odebrecht no Equador?
O problema da Odebrecht no Equador foi absolutamente isolado e já foi resolvido.
Quais outras maneiras haveria para investir na opção sul-americana?
Com o pré-sal teremos de criar uma gigantesca infraestrutura , que a indústria brasileira sozinha não terá condições de absorver. Será que não podemos ter produção desses componentes em outros países? Tem projetos agora na Venezuela, na Colômbia.
E para essa maior integração funcionar, não teria de ser resolvido o problema do protecionismo argentino?
O protecionismo argentino tem incidência marginal. Essas questões são marginais ante os grandes desafios como: a Venezuela vai se industrializar? E a Bolívia? Vamos nos transformar em um mercado de consumo regional, mais de 300 milhões de consumidores. Cada vez mais empresas investem aqui.
Sim, mas no Brasil. Para a Venezuela, onde há insegurança jurídica, ninguém vai.
O problema da Venezuela é menos de insegurança jurídica. O problema é que o modelo ainda não está plenamente configurado. A Venezuela ainda não rompeu com seu modelo petroleiro.
Jornais dos Páises Membros do Mercosul
Paraguay “ABC”
Sección: Política
El Mercosur poco o nada aporta, dicen
Al tiempo de no ocultar su inquietud ante la decisión de las autoridades vecinas de Punta Porã, comerciantes pedrojuaninos coinciden en que se está demostrando una vez más que el Mercosur poco o nada aporta para erradicar los obstáculos para el fluido relacionamiento comercial fronterizo.
A propósito, los presidentes del Mercado Común del Sur (Mercosur) ratificaron la semana anterior, como en tantas otras ocasiones, el compromiso de sus respectivos gobiernos de aunar esfuerzos para lograr la integración entre los estados partes.
Cabe recordar que durante la cumbre de San Juan, Argentina, el 3 de este mes, los jefes de Estado rubricaron un Comunicado Conjunto en donde en el punto 15 “Manifestaron su voluntad de dar un renovado impulso a la integración fronteriza entre los países de la región. En este sentido, destacaron la realización de la X Reunión del Grupo Ad Hoc sobre Integración Fronteriza del Mercosur, que tuvo lugar en Buenos Aires el 16 y 17 de junio de 2010, y se congratularon por los avances logrados en la negociación del Anteproyecto de Acuerdo sobre Localidades Fronterizas Vinculadas”. Esta declaración lleva la firma de los presidentes de la Argentina, Cristina Fernández de Kirchner; de la República Federativa del Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; de Paraguay, Fernando Lugo; y de Uruguay, José Mujica.
“La Nación”
Sección: Negócios
“Paraguay necesita negociadores que resten las asimetrías en el Mercosur”
Empresario sostiene que se necesitan más incentivos para las leyes de maquila y de zona franca, y otros regímenes.
Ali Abou Saleh, empresario de origen libanés nacido en Paraguay, y presidente de la Cámara de Comercio de Ciudad del Este, ve difícil la anunciada muerte de Ciudad del Este, pero afirma que Paraguay necesita de negociadores patriotas que terminen con décadas de entreguismo a los países más grandes del Mercosur. Menciona la no aplicación del RTU, la unidad arancelaria, los regímenes que van cumpliendo sus plazos, y destaca que se deberá negociar punto por punto para su beneficio. Además sostiene la necesidad de contar con más incentivos para el desarrollo de la industria, como la ley de ensamblaje de productos de alta tecnología, vetado por el Ejecutivo; la maquila, la zona franca, entre otros.
–¿Cómo evalúa el comercio de Ciudad del Este?
–En términos comparativos, en relación al año pasado, está estable, más o menos todo igual. Esperemos que los meses que restan del año haya algún repunte. Mejoró la cantidad de gente que viene a comprar, en cierto momento, algunos productos repuntaron y otros decrecieron. Todos los textiles repuntaron; hay otros que cayeron, como las bebidas, perfumería.
–¿Cómo se expresan esas mejorías que se dieron en algunos momentos en la economía del Este?
–Las construcciones que se están observando demuestran eso. Pareciera que todo va encaminado a que el comercio vaya creciendo de nuevo. Ciudad del Este es muy importante económicamente para el Paraguay, sigue el éxodo del interior y mucha gente continúa sobreviviendo de esta ciudad.
–Siempre se habla de la muerte de Ciudad del Este. ¿Qué opina al respecto?
–El comerciante de Ciudad del Este tiene una particularidad, tiene un know how, un conocimiento, de todas estas situaciones que se nos presentan, nos rebuscamos, entramos en ese laberinto y encontramos la salida siempre, por eso es que sobrevivimos. Esto no va a morir, lo que vamos a hacer es tener que luchar bastante.
–¿Cómo afectará la eliminación del doble arancel en el Mercosur?
–Puede ser positivo como negativo, es algo que ya se marcó desde Ouro Preto (Protocolo del Mercosur), pero ahora es el momento de empezar a negociar, todo lo que no hicimos antes. Se crearán las comisiones, van a evaluar la unificación de las partidas arancelarias, tenemos que unificar todo el sistema informático de los países pertenecientes al Mercosur, tal vez se adhieran otros países. Es en las comisiones donde debemos negociar y poder realmente restar esas asimetrías que tenemos, con relación a Brasil y Argentina.
–¿Con la eliminación de los regímenes especiales y el RTU que no sale, qué se puede hacer?
–Sí, (el RTU) no sale, pero creo que aún cuando ya tardó demasiado, va a salir. Todo se resume en que Paraguay tendrá que negociar, tópico por tópico, con régimen de turismo o no, con RTU o no, todo debe ser luchado punto por punto en el marco del Mercosur para no afectar al fisco paraguayo y para no perjudicar al comercio y la economía dependientes de la importación de extrazona, y para disminuir las asimetrías. El RTU es el ejemplo, todo el tiempo que llevó y aún se sigue discutiendo. Por eso hablaba de que tendremos que luchar bastante.
–¿Qué debe cambiar en la política local para incentivar el desarrollo?
–Las leyes de maquila y de zona franca deben tener más incentivo. Haciendo una comparación con las de Manaus, Brasil y de Uruguay, por ejemplo, tenemos mucho que mejorar. Infraestructura, subsidios, menos burocracia, incentivos fiscales reales, leyes laborales adecuadas, son algunas de las cuestiones que deben mejorarse para atraer un interés muy diferente al actual.
–Para muchos la triangulación ya no tiene futuro.
–Paraguay no es un país industrializado, ni el Mercosur ni el Brasil ayudaron a la industrialización de este país; por eso el fisco depende en gran medida de los productos importados de extrazona para revender. Dicen que tenemos que establecernos como país industrial, pero no vamos a lograr mientras nos pinten de negro, no colaboren y nos sigan asfixiando. Ellos no facilitan, hasta a los productos maquila crean problemas. No es como en la Comunidad Europea, donde los países grandes pensaron en los países menos desarrollados. España, hoy ya no necesita de nadie, es un país industrial, sobresale por sí mismo. Gracias a los aportes de otros países más grandes de la Unión Europea.
–Existen fábricas que operan por el régimen de maquila, ¿están caminando?
–Camina, (pero) todo es muy lento, no se dan las inversiones de envergadura que den saltos cualitativos en el desarrollo que se busca generar a partir de estos regímenes económicos.
–¿Qué no funcionó en la gestión de gobierno?
–En muchas cosas hemos fallado, el sector privado inclusive. En la medida en que nos aprieta el zapato nos estamos dando cuenta. Necesitamos negociadores más nacionalistas. Nuestros negociadores deben defender lo que por derecho nos pertenece. También necesitamos un sector privado que no sólo observe su bienestar personal sino el bien general. En el Mercosur ya entramos como furgón de cola. No hemos observado en el documento que hemos firmado nuestro propio sistema comercial, el que tenemos en Ciudad del Este, Salto del Guairá, Encarnación, Pedro Juan Caballero y que reportan más que el 50% del ingreso al fisco. Hemos sido claramente entreguistas.
–¿En qué falló el sector privado?
Hay empresas acá que se adjudican y consiguen situaciones que ameriten una competencia desleal. Muchas empresas no pueden importar determinados productos por diferentes motivos, hay una competencia desleal.
Dolly Galeano
Uruguay “El Pais”
Editorial
Acuífero Guaraní
JUAN ORIBE STEMMER
El Acuerdo sobre el Acuífero Guaraní fue aprobado el 2 de agosto por la 39a. Reunión del Consejo del Mercado Común. Esta reunión tuvo lugar dentro del marco más amplio de una nueva Cumbre de Jefes de Estado del Mercosur y Estados asociados, celebrada en la argentina ciudad de San Juan. El tratado fue suscrito por los cuatro países dentro de cuyo territorio se encuentra el Acuífero: Argentina, Brasil, Paraguay y el Uruguay.
El acuífero es un recurso natural renovable que recibe agua como resultado de la infiltración directa del agua de la lluvia y de la infiltración indirecta vertical, en las discontinuidades de la roca.
Básicamente es una vasta esponja subterránea constituida por una capa de roca porosa y con fisuras cuyo espesor oscila entre 50 y 800 metros. El sistema acumula un enorme volumen de agua cuyo límite superior se encuentra a profundidades que oscilan entre los 20 y los 1.800 metros. El agua del acuífero puede llegar a tener temperaturas relativamente altas, como lo comprueban quienes visitan las termas ubicadas en los departamento del litoral uruguayo.
El Acuífero Guaraní es un recurso transfronterizo (en estos casos es mejor no utilizar el término "internacional") compartido: abarca una superficie de 1.190.000 kilómetros cuadrados que se extiende en el territorio de los cuatro países del Mercosur. La mayor parte se encuentra en territorio del Brasil (71,4% del total). El resto se divide entre Argentina (18,9%), Paraguay (5,9%) y nuestro país (3,8%). En el Uruguay, el acuífero se encuentra en el subsuelo de los departamentos de Artigas, Paysandú, Salto, Rivera y Tacuarembó.
El Acuerdo incluye principios generales y normas acerca de la naturaleza jurídica del acuífero, su protección y desarrollo sustentable, la realización de estudios, actividades y obras de aprovechamiento y la resolución de controversias. Entre otras obligaciones, cada país debe informar a los demás de todas las actividades y obras que se proponga realizar en su territorio para el aprovechamiento sustentable de los recursos hídricos del sistema. También se pactó la creación de un Comisión integrada por los cuatro Estados que coordinará la cooperación entre ellos para el cumplimiento de los principios y objetivos del Acuerdo.
La obligación principal de los cuatro países es promover la conservación y la protección ambiental del Acuífero Guaraní con el fin de asegurar "el uso múltiple, racional, sustentable y equitativo de sus recursos hídricos".
En este caso, uso sustentable implica conseguir que el volumen total de agua extraída no supere la capacidad natural de recarga del sistema. El delicado asunto del aprovechamiento equitativo supone conocer la dinámica del Acuífero, determinar el aporte que realiza cada país al total y establecer criterios y mecanismos que aseguren que cada uno de ellos extraiga una justa proporción del "rendimiento sustentable" del recurso.
Cumplir con estas obligaciones no será una tarea fácil. Pero el Acuerdo es un paso importante en la dirección correcta y sólo cabe esperar que las partes actúen en forma responsable.
"En la reciente Cumbre del Mercosur se logró firmar el Acuerdo sobre el Acuífero Guaraní".
Caderno: Mundo
Santos entra em campo
Nas primeiras horas depois de tomar posse, presidente costura encontro com Chávez para amanhã e anuncia viagem ao Brasil em setembro. Às Farc, diz que aceita dialogar, mas exige a libertação dos reféns
Tatiana Sabadini
No primeiro dia de trabalho como presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos enfrentou duas questões que devem marcar seu governo: diplomacia e segurança. O mandatário começa a recuperar as boas relações com os vizinhos, especialmente a Venezuela e o Equador, depois da crise herdada de Álvaro Uribe. Além disso, respondeu com a autoridade de um governante fortalecido ao pedido de diálogo feito pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A primeira viagem oficial ao exterior está marcada: Santos desembarca no Brasil em 1º de setembro para se encontrar com o colega Luiz Inácio Lula da Silva. E já amanhã ele deve receber em Bogotá o venezuelano Hugo Chávez, que rompeu relações no fim de julho, depois de ter sido acusado por Uribe de dar abrigo às Farc.
No discurso de posse, o presidente colombiano enfatizou que a palavra guerra “não existe” em seu dicionário. “Um dos meus propósitos será reconstruir as relações com Venezuela e Equador, restabelecer a confiança e privilegiar a diplomacia. Assim como não reconheço os inimigos na política nacional, não faço o mesmo com nenhum governo estrangeiro”, afirmou. A reaproximação com a América do Sul é um de seus objetivos, não apenas por causa do aspecto econômico, mas para reforçar o combate às Farc nas fronteiras.
O primeiro passo de reconciliação foi dado ontem, quando a chanceler María Ángela Holguín reuniu-se com o colega equatoriano, Ricardo Patiño. As relações diplomáticas entre os dois países tinham sido rompidas em 2008, depois de uma operação militar que matou o comandante guerrilheiro Raúl Reyes em um acampamento do lado equatoriano da fronteira. O episódio rendeu condenação internacional e um processo na Justiça do Equador(1) contra Santos, que era na época ministro da Defesa da Colômbia.
Para o presidente Lula, que ajudou a facilitar o diálogo entre Bogotá e Caracas, os dois países estão dispostos a resolver a crise rapidamente e restabelecer as relações econômicas e diplomáticas. “Todo mundo quer conversar, até porque todo mundo perdeu com a confusão, com o conflito, com o atrito”, disse Lula à rede britânica BBC, depois de assistir à cerimônia de posse. “De vez em quando, as pessoas ficam cansadas de brigar.” Chávez havia aproveitado seu programa dominical de rádio e televisão, o Alô Presidente, para expressar apoio a Santos e manifestar a intenção de reunir-se com ele “nos próximos três a cinco dias”: “Estou disposto a virar a página e olhar para o futuro. Estou cheio de fé, esperança e vontade de trabalhar com o novo presidente da Colômbia”.
Em um gesto de reconciliação, Chávez pediu que as Farc liberte unilateralmente os reféns em seu poder. “A guerrilha deveria manifestar-se pela paz, mas de forma contundente. Por exemplo, com a libertação de todos os sequestrados. Por que mantê-los assim?”, indagou o presidente da Venezuela.
Resposta à guerrilha
Ao longo de quatro anos como ministro da Defesa, Santos acumulou resultados expressivos contra as Farc. Em 2002, a primeira posse de Álvaro Uribe foi marcada por uma chuva de foguetes artesanais lançados pelos rebeldes na direção do palácio — a maioria caiu sobre uma área próxima, matando 25 indigentes que ocupavam casas abandonadas. Àquela altura, a guerilha tinha um contigente da ordem de 20 mil combatentes, hoje reduzido a um terço. Com 46 anos de existência, as Farc sofreram desde 2008 sucessivos golpes, com a morte de três dos sete membros de seu secretariado (alto comando), entre eles seu fundador, o lendário Manuel Marulanda — vítima de enfarte aos 78 anos. Operações cirúrgicas do Exército libertaram quase duas dezenas de reféns, entre eles a ex-candidata presidencial Ingrid Bettancourt.
Dias antes de Santos tomar posse, o sucessor de Marulanda, Alfonso Cano, enviou por vídeo uma mensagem propondo conversações. “Aos grupos armados que hoje falam outra vez em diálogo e negociação, digo que o governo está aberto a qualquer conversação. Mas enquanto não libertarem os sequestrados e continuarem a cometer atos terroristas, continuaremos a nos enfrentar”, advertiu.
1 - Fronteira atropelada
Grupos de ex-paramilitares de direita colombianos cruzaram a fronteira com o Equador e começaram a controlar povoados no país vizinho, para ampliar suas atividades de narcotráfico. A presença na região do grupo chamado de Águias Negras foi divulgada ontem pelo diretor de Inteligência da Polícia do Equador, Fabián Solano. A organização foi formada entre 2003 e 2006 por ex-combatentes das Autodefesas Unidas da Colômbia, que podem ter ligação com as Farc.
SEM AGRÉMENT
Hugo Chávez rejeitou ontem o novo embaixador designado pelo presidente Barack Obama para representar os Estados Unidos na Venezuela. O indicado, Larry Palmer, teria feito questionamentos sobre as Forças Armadas venezuelanas. “O embaixador não pode vir. (É) o mesmo que se inabilitou rompendo todas as regras da diplomacia. O melhor que o governo dos EUA pode fazer é buscar outro candidato”, recomendou o presidente durante seu programa dominical de rádio e TV.
Agenda interna tem prioridade social
O ritmo frenético da agenda diplomática não impediu Juan Manuel Santos de se dirigir também aos colombianos e suas preocupações mais imediatas. O novo presidente tomou posse à frente de um governo que inaugura ministérios encarregados de alguns dos problemas mais agudos do país: desemprego, moradia e saúde. Com 2,5 milhões de desocupados, que correspondem a 11,6% da população ativa, a Colômbia ostenta a segunda taxa mais elevada da América Latina — e isso a despeito de a economia ter crescido com média anual no patamar de 4% nos oito anos de governo de Álvaro Uribe, graças à atração progressiva de investimentos externos.
O novo presidente assumiu anunciando um plano de choque para gerar empregos. “Com o campo, a infraestrutura, a moradia, a mineração e as inovações, colocaremos em marcha o trem do progresso, da prosperidade. E ele puxará os vagões da indústria, do comércio e dos serviços, que são os maiores geradores de vagas”, profetizou Santos. De olho também nos mais de 45% dos colombianos que continuam abaixo da linha da miséria, ele prometeu dedicar “todos os esforços a combater a pobreza e o desemprego”. A meta para os quatro anos de mandato é reduzir a taxa de desocupação à casa de um dígito.
A ideia do novo chefe de Estado é fazer social uso dos êxitos da política de Segurança Democrática, a joia da coroa do governo de seu antecessor e mentor, Álvaro Uribe. No discurso pronunciado na Praça de Bolívar, diante da Casa de Nariño e do Congresso, Santos anunciou para breve um projeto de lei para acelerar a expropriação de fazendas confiscadas de narcotraficantes, dos paramilitares de direita e da guerrilha esquerdista. As terras serão redistribuídas entre os camponeses, que em muitos casos eram os proprietários ou ocupantes originais e foram obrigados pela força a abandoná-las. “Vamos trabalhar para que eles disponham das melhores terras da Colômbia e possam explorá-las”, afirmou.
O êxodo da população rural para cidades grandes e médias, principalmente as capitais regionais, motivou outra prioridade fixada pelo novo governo: a construção de moradias. Com um saldo acumulado de mais de 3 milhões de pessoas deslocadas pelo conflito armado, o presidente definiu o objetivo de construir até 2014 pelo menos um milhão de unidades habitacionais. Para isso, os subsídios destinados ao setor serão duplicados.
Primeiros movimentos
Diplomacia
Confirmando o sinal emitido com a escolha da chanceler María Ángela Holguín, Juan Manuel Santos aproveitou desde as primeiras horas de mandato para recompor as relações na vizinhança. Anunciou visita ao Brasil em setembro, chamou Hugo Chávez para o diálogo direto e deu sequência à normalização com o Equador.
Conflito interno
Já no discurso de posse, o novo presidente respondeu ao comandante máximo das Farc, Alfonso Cano, que havia proposto diálogo, dias antes. Santos deixou “a porta destrancada”, mas fixou como premissa a renúncia da guerrilha às armas. Também sugeriu que aceitaria como gesto de boa vontade a libertação unilateral dos reféns em poder dos rebeldes. Advertiu, porém, que se as Farc preferirem o confronto, “sabem que somos eficazes”.
Desemprego
O novo governo aplicará como prioridade uma “política de choque” para enfrentar um dos problemas socieconômicos mais agudos do país — a taxa de desocupação, de 11,6% em junho, é a segunda maior da América Latina. Para coordenar as medidas, foi criado o Ministério do Trabalho. “A prioridade de meu governo será gerar prosperidade social pela oferta de trabalho”, disse o presidente no discurso de posse.
Habitação
Em um país onde as cidades grandes e médias têm recebido um fluxo constante de deslocados pelo conflito interno — são mais de 3 milhões, com acréscimo médio de 100 mil por ano —, o novo governo anunciou planos para construir 1 milhão de moradias nos quatro anos de gestão. O programa será tocado por ministério também instituído por Santos.
Saúde pública
O presidente reconhece tacitamente a dívida do governo anterior na área. Para reverter o quadro, criou um ministério específico. A missão inicial será implantar o Plano Obrigatório de Saúde, ponta de lança para uma reforma mais abrangente.
Jornal do Senado
Caderno: Mercosul
Falta de consenso entre países adia eleições diretas para o Parlasul
Número de cadeiras a que cada país terá direito no Parlasul pode ser definido em duas etapas. Na cúpula do Mercosul ocorrida semana passada, proposta da Argentina para estender indefinidamente a primeira etapa foi rejeitada
O clima de entendimento que predominou na última cúpula do Mercosul, realizada semana passada na cidade argentina de San Juan — e que levou à aprovação de decisões como o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) —, não chegou à esfera legislativa. Por falta de consenso, foi retirada da pauta uma proposta apresentada pela Argentina para a futura composição do Parlamento do Mercosul (Parlasul), que se reúne a partir de hoje, em Montevidéu, no Uruguai.
Cabe ao Conselho do Mercado Comum, principal órgão executivo do Mercosul, estabelecer o critério de representatividade para o parlamento, a partir de sugestão apresentada pelo órgão legislativo regional. Somente após o estabelecimento do número de cadeiras a que cada país terá direito é que poderão ser realizadas eleições diretas, em cada um dos quatro países do bloco — Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — para a escolha de representantes em Montevidéu, sede do parlamento.
A proposta encaminhada ao conselho, com aval dos parlamentares dos quatro países, estabelece duas etapas para a implantação do chamado critério de representação cidadã. Na primeira etapa, que se estenderia até 2014, Paraguai e Uruguai manteriam seus atuais 18 parlamentares por país, enquanto a Argentina contaria com 26 representantes e o Brasil teria 37. A partir de 2015, a população brasileira passaria a ser representada por 75 parlamentares, e Argentina teria 43, enquanto os dois países menores, Paraguai e Uruguai, manteriam 18 cada um.
A proposta apresentada pela Argentina em San Juan, que não contou com apoio do governo brasileiro, estenderia indefinidamente a primeira etapa. Segundo a proposta, esses números permaneceriam em vigor enquanto se mantivessem as atuais funções e competências do Parlasul.
Entre as motivações incluídas na introdução da proposta, rejeitada após consulta a parlamentares brasileiros, como o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), integrante do parlamento, seria necessário que "as regras para a adoção de decisões e atos do Parlamento do Mercosul, incluindo o quórum, incorporassem o espírito de consenso que rege o funcionamento do bloco". Por isso, o governo argentino considerou "conveniente avançar em uma implementação parcial do critério de representação cidadã", para que os estados partes possam organizar as eleições de seus representantes.
Condição
Como a delegação argentina insistiu em condicionar a implantação da segunda etapa da proporcionalidade a mudanças no próprio protocolo constitutivo do parlamento, modificando os quóruns para tomada de decisões, mais uma vez foi adiada a decisão. Dessa vez, para o período da presidência brasileira no bloco, de agosto a dezembro.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), atual vice-presidente, deve assumir hoje a presidência rotativa do Parlasul — simultaneamente à presidência brasileira do bloco. Ao longo dos próximos seis meses, ocorrerá uma nova rodada de negociações a respeito do tema, cujo debate será retomado na próxima sessão do parlamento, em Montevidéu, onde o principal item da pauta é a própria transferência da presidência para o Brasil.
— Precisamos dar ao Parlamento do Mercosul respeitabilidade política e representatividade, sob o risco de ele se tornar um parlamento secundário — alertou Dr. Rosinha, ao lembrar que, enquanto os representantes dos quatro países não forem eleitos, eles continuarão a ser designados pelos respectivos parlamentos nacionais e exercerão ali apenas um segundo mandato, além dos que já exercem em seus países.
Jornal “Valor Econômico”
Caderno: Especial
Está na hora de o Mercosul ter metas, diz Celso Amorim
Sergio Leo, de Brasília
O Mercosul precisa de metas para garantir uma integração "plena" dos mercados nos países do bloco, defende o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele diz estar contente com os resultados da última reunião do bloco, que criou procedimentos comuns para as alfândegas do Mercosul e fixou prazo para acabar com a cobrança dupla de tarifa de importação no trânsito de mercadorias de um país ao outro. "Está na hora de pensar grande", diz ele. "Em vez de negociar setorzinho por setorzinho , será que não devemos ter metas?"
O ministro diz que esse deve ser o passo a tomar na presidência temporária do Brasil neste semestre. Entre as metas que o ministro considera necessárias estão um prazo para acabar com as exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) e datas para acordos de serviços e de compras governamentais, que dê tratamento nacional às empresas dos países do Mercosul nos outros mercados do bloco.
Amorim não esperou que começasse a sessão de perguntas para reagir a uma das críticas mais fortes à política externa do governo Lula, a de que é leniente com abusos dos direitos humanos em países aliados do Brasil. Ele vê motivação política na interpretação do documento não oficial encaminhado pela diplomacia brasileira em Genebra, que propõe novas etapas antes da aprovação de resoluções condenando qualquer país. "Ninguém nasceu ontem, [esse mecanismo] existe para certos casos, certos países", desafia. Sobre outro tema polêmico, garante: "O Brasil não apoia o Irã; apoia a paz". A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor, em que Amorim fala também de seus planos pessoais para 2011.
Valor: Ministro...
Celso Amorim: Li agora o documento entregue na ONU; de maneira nenhuma ele procura isentar nenhum país de nada, pelo contrário, o objetivo é tornar as recomendações dos órgãos de direitos humanos mais fáceis de implementar. Diz apenas que o método usado até agora, só condenação aos países, não foi efetivo, não mudou a situação de nenhum país. E há o fato de que as condenações são muito concentradas em uma ou duas regiões. Quando se leu alguma resolução sobre Guantánamo, ou algum país que permitiu que seus serviços de inteligência transferissem presos para lugares onde seriam torturados? Ninguém nasceu ontem, [o mecanismo] existe para certos casos e certos países.
Valor: Todos os países passam por revisões no Conselho...
Amorim: O Brasil lutou muito para ter esse mecanismo universal, todos passam por isso: Brasil, Coreia, Irã, EUA. No documento levado a Genebra se fala em mecanismo para ver se as ações recomendadas podem ser implementadas; vai ter até quem o veja como intrusivo, porque pede informativos, visitas aos países por delegações de Estados-membros, estratégias para implementação das recomendações dos mecanismos de revisão periódica, como implementar recomendações dos outros mecanismos de direitos humanos...
Valor: A questão direitos humanos ganhou fôlego por que...
Amorim: Porque é misto de má fé e ignorância. Ignorância porque não sabem como as coisas correm na realidade da vida, que países aliados militares de outros ficam totalmente isentos. Não vou dar exemplos, não quero romper relações diplomáticas, mas todo mundo sabe disso. Falei há pouco de Guantánamo porque até o presidente Obama falou; e os países cujos serviços de inteligência foram usados para levar presos, isso está noticiado. Não queremos dar refresco para nenhum país, queremos uma maneira que melhore, não para que os que tem complexo de culpa possam botar diploma na parede e dizer: condenei, e não mudar nada. O que me choca é a falta de interesse em melhorar de fato a situação de direitos humanos.
Valor: Mas Cuba e Irã são dois países onde...
Amorim; A mídia está totalmente errada ao dizer que o Brasil apoia o Irã. O Brasil não apoia o Irã. O Brasil apoia a paz, procurou um acordo proposto pelos países ocidentais em relação a energia nuclear, evitar armas nucleares.
Valor: Mas o presidente Lula faz declarações de apoio aos países, como quando compara oposição iraniana à torcida de futebol, diz ser avacalhação intervir por uma condenada à morte por adultério, diz que pode abrigá-la se ela estiver incomodando...
Amorim: Estamos trabalhando pelos direitos humanos, mas nossa maneira de agir é diferente de outros que fazem da hipocrisia sua maneira de principal instrumento. Condenam publicamente e financiam privadamente, em muitos casos.
Valor: Citaria um exemplo?
Amorim: Não.
Valor: Especialistas dizem que o Brasil emite sinais ambíguos, dá impressão de ser advogado dos interesses iranianos...
Amorim: Isso é imaginação, invenção das pessoas. Peguem os comentários feitos pelo Brasil sobre as exposições iranianas no Conselho de Direitos Humanos e verão que há muitas críticas e recomendações. Está disponível.
Valor: Pode citar algumas?
Amorim: Várias: condenação à pena de morte para menores, sobre a situação da mulher. Agora, o Irã, com todos os defeitos, convidou a alta comissária de Direitos Humanos para ir lá, e ela não foi até agora, deve sofrer pressão de alguém para não ir. Não propomos refresco para ninguém. Os métodos tradicionais não funcionam, precisamos encontrar métodos eficazes, e entre eles existe a maneira como implementar as recomendações dessa revisão universal. Isso não é notícia nova sequer, há uma fabricação com objetivos políticos, no noticiário.
Valor: Não só os jornais, as ONGs também se queixam do Brasil....
Amorim: As ONGs estão em sua missão de fiscalizar, como as de meio ambiente, que falam coisas que a gente não concorda, depois nos elogiam. A maneira como encaramos o processo, essa ideia da revisão periódica universal, eu defendi em Genebra, no governo FHC, justamente porque se pretendia tratar com isonomia, não permitir a politização, porque países entravam e outros não.
Valor: Na Guiné Equatorial o senhor falou em negócios; seria tradição de isolar a economia do tema de direitos humanos?
Amorim: Um jornalista me fez uma pergunta, foi totalmente distorcida, sobre negócios com o país. Eu disse: qual manteiga você comprou hoje? Quais companhias de petróleo operam aqui? Não quer dizer que esteja endossando o governo. Não quis dizer que isso guia nossa diplomacia, mas que não se pode confundir as coisas. A manteiga era francesa, as companhias de petróleo, americanas.
Valor: Outra crítica é que o Brasil se propõe a atuar como mediador...
Amorim: Não estamos propondo não, os outros países nos procuram. O presidente da Síria esteve aqui, o [presidente da Autoridade Palestina] Mahmoud Abbas, o presidente de Israel e o presidente do Irã estiveram aqui.
Valor: E na América do Sul, onde o Uruguai pediu em vão ajuda na crise com a Argentina pela instalação de papeleiras na fronteira?
Amorim: Só podemos ajudar quando os dois lados estão interessados, senão em vez de ajudar prejudica. No caso iraniano, recebemos estímulos de países ocidentais e outros para continuar na trilha e tinha óbvios interesses no Irã. Óbvio interesse dos dois lados.
Valor: No caso de palestinos e Israel não havia tanto interesse...
Amorim: Essas coisas têm de ser levadas com delicadeza. Há movimentos sendo feitos, no caso eu, pessoalmente, em decorrência até de pedido de Israel.
Valor: A aproximação com a Síria?
Amorim: Não vou dar detalhes, estive na Síria, Palestina, em Israel. E Turquia.
Valor: O Brasil não poderia ser mais ativo no Mercosul? E as queixas dos uruguaios?
Amorim: Não agimos com imposição, não faz parte de nossa atitude. Há mecanismos persuasórios, mas se não funcionam não adianta forçar, tem de esperar que o momento ocorra.
Valor: A reunião do Mercosul avançou com uma agenda que estava paralisada?
Amorim: O ministro não pode estar o tempo todo presente; lançam-se linhas de ação e elas avançam. Coisas que pareciam impossíveis ocorreram, houve o código aduaneiro, eliminação dos cronogramas, acordo de livre comércio com o Egito, o primeiro com país em desenvolvimento - além do que o Egito por si mesmo é país importante para nós. Tivemos uma coisa que não é comercial, mas é importante, o de gestão do aquífero Guarani. Só podemos exercitar plenamente nossa soberania mediante acordos de cooperação entre os quatro países.
Valor: Mas não falta, como reconheceu na reunião, um cronograma para acabar com as exceções à tarifa comum? Como aplicar um código nas alfândegas com tantas diferenças de tarifa?
Amorim: Uma coisa pressiona a outra, é positivo. A inexistência de uma tarifa externa comum faz com que o mercado comum não se realize plenamente, dificulta até negociações externas. Não se consegue isso de um dia para o outro, mas se fizermos um cronograma -não quero botar números, dez anos, quinze anos que sejam, e umas exceçõezinhas para o final - teremos mecanismo de cobrança sobre nós mesmos . Vamos conseguir dessa vez? Foi grande êxito a reunião, vai até ficar difícil para o Brasil agora porque muitas coisas que estavam represadas saíram. Temos de começar outras iniciativas.
Valor: Os chanceleres e presidentes discutiram as exceções à tarifa externa na última reunião?
Amorim: Falei na minha apresentação. Não houve discussão, estávamos muito concentrados em resolver nossos problemas. No último momento sempre há questões complexas. Até o ultimo momento estávamos empenhados em uma solução razoável para esse problema naquela reunião.
Valor: Era a reivindicação argentina de incluir impostos de exportação no código?
Amorim: Não necessariamente o da Argentina, o Brasil aplicou por muito tempo imposto sobre exportação de couro wet blue...
Valor: O Mercosul vai manter práticas como esse imposto de exportação?
Amorim: A medida em que a gente evolua para uma tarifa externa comum para valer, elimine a dupla cobrança da TEC, trabalhe para eliminar subsídios internos, não faz sentido ter imposto de exportação interno, mas isso será uma evolução.
Valor: Na crise Venezuela e Colômbia, um dos problemas é a presença dos guerrilheiros das Farc na fronteira; não é um problema regional a ser atacado?
Amorim: As Farc nascem de qualquer maneira dentro da Colômbia, qualquer atitude tem de ser combinada com o governo colombiano. Não significa que não vamos melhorar o policiamento na fronteira, isso aliás vale para os dois lados. A ideia do Conselho de Defesa da Unasul é também poder trocar de informação, ter medidas de criação de confiança, incluir medidas desse tipo, certamente com o repúdio a grupos armados sobretudo ligados ao narcotráfico.
Valor: Uribe desmoralizou a Unasul ao preferir denunciar na OEA a presença das Farc na Venezuela?
Amorim: Não desmoralizou, primeiro porque não é problema do Conselho de Defesa; quando se trata de denúncia é problema político. O Conselho é para encaminhar soluções ou que previnam que se chegue a esse ponto (de crise diplomática) ou para encaminhar alguma decisão política. Uma ação de um país não pode desmoralizar uma organização. O presidente Uribe tem direito de fazer a opção que quiser, também é membro da OEA, mas é muito mais provável conseguir solução na Unasul que na OEA.
Valor: Defende a ideia de mecanismo conjunto de fiscalização das fronteiras na região
Amorim: Pode ajudar, mas pode ser bilateral, vamos respeitar as sensibilidades; essas coisas não podem ser impostas.
Valor: Que metas o governo tem para o fim do governo?
Amorim: Resolver bem o que começamos. Sempre disse que o Brasil, até para atuar fora da região, precisa que a região esteja bem organizada e bem integrada. Demos passos importantes, não definitivos, não resolvem os problemas, temos de avançar mais. Não é eliminar as exceções; é como chegar a uma plena tarifa do Mercosul num numero X de anos. Tem sentido não ter acordo de compras governamentais que deem ao Mercosul uma preferência real? Temos de ter acordo de serviços mais amplo, maior liberalização, dar tratamento nacional às empresas do bloco em todos os países. Em vez de negociar setorzinho por setor será que não devemos ter meta para definir, que devem ser alcançadas? Talvez agora, com o fim do nosso governo, esteja na hora de pensar grande novamente no futuro. Essas metas temos de buscar.
Valor: Pode-se fechar o acordo de livre comércio com a União Europeia neste ano?
Amorim: Não quero fazer previsões. Se forem pessimistas, tornam-se auto-cumpríveis; se muito otimistas, dirão que é a proverbial ingenuidade do Itamaraty. Vamos trabalhar, ver até onde avançamos. Acho que dá para avançar, mas, realisticamente, concluir negociação neste semestre, não sei. Aguardamos a resposta deles para nossa oferta agrícola.
Valor: O que há entre EUA e Brasil para Lula falar em decepção com Barack Obama?
Amorim: Não posso fazer juízo assim, o presidente Obama é bem intencionado, muito importante para a política interna dos EUA, foi positivo o que fez na saúde, na disciplina dos bancos, Mas a política americana é complexa, parece não poder tratar de muitos assuntos ao mesmo tempo. Talvez o que o presidente Lula fale é da necessidade de maior compreensão do que é e como mudou a América Latina.
Valor: O embaixador José Botafogo diz que a diplomacia aponta uma série de tarefas, mas confunde importância com prioridade. Se tudo é prioridade, desperdiça esforços.
Amorim: Quando o [secretário-geral do Itamaraty, Antônio] Patriota vai a um determinado lugar me sinto representado. Tanto que esses avanços todos no Mercosul foram obtidos na minha ausência. Quando há necessidade, pode ter certeza de que estamos presentes, como no caso do código aduaneiro no Mercosul.
Valor: O senhor atuou diretamente?
Amorim: Me lembrei de problema parecido, no acordo Trips [direito de propriedade intelectual] da OMC. Garantimos que o assunto fosse mencionado, mas que cada um pudesse considerar-se representado.
Valor: Ministro, já decidiu o que fará no próximo governo?
Amorim: Minha vida não se mede por governos.
Valor: Em 2011, permanece no ministério? Falou com a candidata de seu partido?
Amorim: Não conversei, nem vou criar esse tipo de constrangimento para ela. Uma coisa garanto: não vou criar constrangimento a ninguém. E estou tomando providências: vou dar aulas na UFRJ. Não estou em idade de ensinar teoria, os mais jovens devem saber mais, mas posso transmitir experiência. Outra coisa minha mulher já fez: pedimos o apartamento nosso no Rio, em Copacabana que já está alugado.
Jornal ‘O Estado de S. Paulo’
Caderno: Nacional
Mercosul, o tango que desafinou
Sucessor de Lula terá de resolver os conflitos e a paralisia deixados por uma diplomacia de partido
Rubens barbosa
A América do Sul é, na retórica oficial, a principal prioridade da política externa do governo Lula e a que também apresenta os maiores problemas. A partir de 2003, as ações diplomáticas do Brasil no continente foram influenciadas pela partidarização da política do Itamaraty. Ao colocar em prática a plataforma do partido no poder, a política externa deixou de ser de Estado e passou a ser do PT.
A diplomacia da generosidade em relação a nossos vizinhos, fato inédito nos anais da diplomacia mundial, é uma das consequências da partidarização. Essa generosidade faz-se presente por causa das afinidades ideológicas e partidárias com Bolívia e com o Paraguai e porque o governo quer preservar sua parceria estratégica com Argentina e Venezuela. O Brasil passou a ter uma atitude reativa às propostas da Venezuela (criação do Banco do Sul) e às políticas comerciais da Argentina (restrições contrárias às regras do Mercosul e da OMC a nossos produtos de exportação).
O precedente da tímida reação à nacionalização das refinarias da Petrobrás na Bolívia, em 2006, serviu de estímulo ao Equador, à Argentina e ao Paraguai, que, sem a menor cerimônia, passaram a se sentir no direito de desrespeitar compromissos assumidos com o Brasil.
O Paraguai, querendo a revisão do Tratado de Itaipu, apresentou uma "pauta de reivindicações" que incluiu a exigência de um "preço justo" para a venda da energia excedente de Itaipu e o cancelamento da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da hidrelétrica, sob nosso olhar complacente. Tudo feito sem preocupação com o alto preço a pagar, com os poucos ganhos políticos de nossa parte e sem levar em conta o interesse nacional.
O principal projeto da política externa do governo Lula, o Mercosul, está seriamente abalado e sem perspectiva. Do ponto de vista de uma política externa que seja de fato do interesse do Brasil, a sua preservação, como personalidade jurídica e como um processo mais complexo de integração, deveria ser prioridade do Itamaraty.
O Brasil nada fez para estancar a fragilidade do Mercosul, decorrência do seguido descumprimento do Tratado de Assunção. O Mercosul é hoje uma união aduaneira imperfeita e seus críticos querem que volte a ser área de livre comércio. Caso isso viesse a ocorrer, o desaparecimento da Tarifa Externa Comum poderia, no médio prazo, ser contrário aos interesses da indústria brasileira pela perda das preferências e pela inevitável triangulação, sobretudo com a China.
Os objetivos de longo prazo do Tratado deveriam permanecer. O importante, do ponto de vista do Brasil, é não limitar - como ocorre agora - a margem de manobra na busca de acordos com parceiros comerciais importantes, como a União Europeia e países asiáticos. Essa modificação no Mercosul deveria ser parte de nova estratégia de negociação, mais condizente com os interesses do País. Ao Brasil deve interessar que todos os vizinhos cresçam e prosperem. Como a maior economia da região, o Brasil deveria apoiá-los de forma realista, adequada com esse objetivo. Apesar das resistências, todos os países esperam que o Brasil assuma suas responsabilidades e lidere as propostas de mudanças e de integração regional.
No momento em que a região enfrenta um processo de desintegração política e fragmentação comercial, o Brasil, por não ter claramente definidos seus objetivos, está sem estratégia para promover a integração regional e permanece na defensiva e a reboque dos acontecimentos.
Dentro de uma visão estratégica de médio e longo prazo na região, é do interesse brasileiro:
Reconhecer a prioridade da América do Sul e pautar a atitude em relação aos vizinhos pelos valores defendidos internamente (democracia e direitos humanos) e pelo estrito interesse nacional.
Negociar a ampliação dos acordos bilaterais com todos os países sul-americanos, garantindo aos nossos vizinhos ampla abertura do mercado brasileiro.
Negociar acordos de garantia de investimento para proteger empresas nacionais.
Manter a prioridade do processo de integração regional, com atenção especial a infraestrutura, energia e intercâmbio comercial; e retomar projetos de construção de rodovias e ferrovias de modo a permitir que as exportações de produtos brasileiros para a Ásia saiam a partir de portos do Peru e do Chile, o que é estratégico para nossos interesses comerciais de médio prazo.
Manter o apoio ao Mercosul, como um processo que levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul a longo prazo. Para benefício de todos os países-membros, a resolução que determina que os membros do Mercosul negociem acordos comerciais com uma única voz deveria ser flexibilizada para permitir que cada país possa negociar individualmente sua lista de produtos. Deveria ser feita uma avaliação objetiva sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.
Reexaminar a melhor forma de participação do Brasil nas recém-criadas instituições sul-americanas (Unasul, Celalc, Conselho de Defesa).
O crescente peso econômico do Brasil na América do Sul e no contexto global, além da intensa participação nos temas globais e no grupo dos BRIC exigirão respostas rápidas e transparentes aos desafios do novo quadro político na região. Caso a economia continue a crescer a altas taxas de maneira sustentável, a América do Sul e o Mercosul ficarão pequenos para o Brasil.
Ao contrário da percepção oficial, a política externa brasileira na América do Sul é uma bomba de efeito retardado que o atual governo deixará para seu sucessor.
Com Serra, uma diplomacia clássica
A meta tucana é dar uma guinada, para longe do Irã, de Chávez, de Cuba. E com o comércio gerido por uma SuperCamex, sem o Itamaraty
Patrícia Campos Mello
Rever o Mercosul, afastar-se de países não-democráticos como Cuba, Irã e ditaduras africanas, e abandonar o viés ideológico da política comercial são as linhas-mestras da plataforma de política externa do candidato José Serra (PSDB). Mas o assunto está longe de ter um grande destaque nas propostas de governo dos dois candidatos da oposição.
Mas, segundo apurou o Estado, as diretrizes do tucano vão propor a flexibilização do Mercosul, liberando o Brasil para buscar acordos bilaterais, e a criação de uma SuperCamex, nos moldes do United States Trade Representative (USTR), que daria à política comercial do País status de ministério, subordinado à Presidência. De quebra, seria uma maneira de "despolitizar" a política comercial e acabar com a grande influência do Itamaraty sobre o assunto.
Não existe um núcleo formal dentro da campanha de Serra para debater o assunto, mas há três nomes ouvidos pelo candidato e que apresentam sugestões. Na área de comércio exterior, Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, e Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da FIESP e ex-secretário executivo da Camex no governo FHC. Para política externa, o mais ouvido é Sérgio Amaral, que foi porta-voz do governo FHC e cotado para ser chanceler em um eventual governo tucano. Xico Graziano, o coordenador do programa de governo de Serra, supervisiona.
Os tucanos minimizam a política de diversificar os destinos de exportação brasileira, uma das grandes bandeiras do governo Lula. Para os petistas, foi essa diversificação que permitiu ao Brasil passar quase incólume pela crise financeira mundial. Os tucanos afirmam que a estratégia seguiu motivos políticos e não trouxe benefícios concretos, pois as vendas para África e Oriente Médio, por exemplo, continuam sendo minúsculas. Uma aposta mais acertada, argumentam, seria aprofundar os acordos na América do Sul, liberar o Brasil para mais acordos bilaterais e intensificar as relações com os EUA.
Na visão dos tucanos, a diplomacia da era Lula associou o Brasil a nações não democráticas, prejudicando seu "soft power" e sua capacidade de liderança global. Serra já afirmou que o líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad, integra a "turma de ditadores" da história, como Adolf Hitler e Josef Stalin. "O que ganhamos com essa aproximação? Nada. E perdemos muito em imagem e credibilidade", diz Sérgio Amaral. "Este governo tem a tendência de ver o mundo através de afinidades ideológicas, e nem sempre é assim."
Para Amaral, apostar no G-20 é exemplo de atuação construtiva do Brasil, que deve se aprofundar, enquanto associar-se ao Irã na questão nuclear não é. Os tucanos minimizam o fato de o Brasil ter adquirido um destaque maior no cenário internacional durante o governo Lula. As diretrizes de Serra devem abordar o que a campanha chama de "falso protagonismo" do Brasil, ao se oferecer de mediador de assuntos polêmicos como o conflito do Oriente Médio e a questão nuclear no Irã.
Amaral admite que o carisma do presidente Lula ajudou o Brasil a conseguir mais espaço no cenário internacional, mas entende que os presidentes dos outros países são pragmáticos. "Se o novo presidente, seja quem for, levar adiante políticas que são importantes, será respeitado internacionalmente", diz . Sua avaliação é que o Brasil tem a desempenhar, na América do Sul, um papel que até agora não conseguiu. "Se você não consegue propor uma visão para a América do Sul e atuar em conflitos aqui, como o das papeleiras (conflito entre Uruguai e Argentina por causa de instalação de indústrias de celulose na fronteira), qual é o sentido de tentar resolver o conflito no Oriente Médio?"
A cobrança já foi comentada por José Eduardo Dutra, presidente do PT. "O efeito principal da política externa se dá na economia, nas relações comerciais. Dizia-se que, se a gente não embarcasse na Alca, seria uma tragédia para o Brasil. A Alca já foi sepultada. E qual o resultado de nossa política externa? Até 2002, 60% das exportações brasileiras eram para a União Europeia, Estados Unidos e Japão. Hoje, esses três representam menos de 40%. Tivemos uma diversificação que permitiu um desempenho melhor durante a crise."
Um dos projetos centrais dos tucanos, em um eventual governo Serra, é despolitizar a política comercial - criando uma SuperCamex, órgão com status de ministério dedicado a conduzir a política comercial do País. "Hoje em dia, o Itamaraty tem o controle da política comercial", diz Rubens Barbosa.
"Queremos uma espécie de USTR, subordinado à Presidência, que seria uma Camex fortalecida." Para Barbosa e Roberto Giannetti, a Camex vive relegada a um comando de terceiro escalão. Se fosse promovida a ministério, daria maior prioridade à política comercial. "Os outros ministérios como o da Agricultura e o Itamaraty, precisam se subordinar à Camex para decisões de comércio exterior", diz Barbosa. "Se o Itamaraty, por exemplo, quer um acordo com a Rússia, precisa passar pela Camex." Uma ideia seria o próprio Serra coordenar essa SuperCamex nos primeiros seis meses de governo.
O candidato tucano avalia que o Mercosul tem falhas graves. Define-o como "uma farsa" e "uma barreira para que o Brasil possa fazer acordos comerciais". Não se trata de extingui-lo, avisa Rubens Barbosa, mas de flexibilizá-lo: "Precisamos liberar o País para procurar acordos bilaterais". Hoje em dia, o Mercosul é uma união aduaneira, estrutura que exige concordância de todos os sócios para se fechar um acordo comercial, e uma tarifa externa comum para importação de terceiros países. Giannetti e Barbosa defendem retroceder a um estágio anterior, apenas de livre comércio, liberando os países do bloco para fazer acordos bilaterais.
Essa ideia de flexibilização deverá constar das diretrizes de política externa do programa de Serra. "Nos últimos cinco anos, 100 acordos bilaterais de comércio foram fechados no mundo, mas o Brasil fechou apenas um, com Israel", diz o texto proposto.
Na relação com a Argentina, os tucanos pregam um endurecimento. Esse país, na avaliação de Barbosa, "está desrespeitando regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), violando o tratado com as sucessivas medidas protecionistas contra produtos brasileiros". A decisão do governo brasileiro de ceder ao Paraguai na renegociação das tarifas de energia excedente de Itaipu é para ele "outro exemplo da política de generosidade do governo".
Serra também tem feito críticas ao governo do presidente boliviano Evo Morales: os bolivianos, em seu entender, estariam fazendo "corpo mole" em relação ao tráfico de drogas e o governo seria "cúmplice" disso. O governo Lula reagiu com ironias. "Serra está tentando ser o exterminador do futuro da política externa. Já destruiu o Mercosul, quer destruir nosso relacionamento com a Bolívia e já disse que Mahmoud Ahmadinejad é um Hitler", comentou o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia.
O melhor caminho, segundo os tucanos, seria aprofundar os acordos existentes na América do Sul, enquanto se buscam novos acordos bilaterais. E Amaral diz que é preciso fazer valer as regras do bloco. "A Argentina impõe barreiras, nós entendemos. A Bolívia se apropria da Petrobrás, o Brasil entende. Não dá para só compreender e tolerar; sendo condescendentes com a violação das regras, nós estamos desfazendo as instituições do bloco", diz o ex-porta-voz de FHC.
A Rodada Doha de negociações comerciais, outra prioridade no governo Lula, poderia ficar de molho em um governo tucano. "No governo Lula, ficaram oito anos preocupados com Doha e descuidaram do resto", ataca Barbosa. "A ideia é esquecer Doha por enquanto e agilizar acordos bilaterais", sugere Amaral. O governo atual, diz ele, orienta-se "por uma realidade ultrapassada, com uma mentalidade pré-fim da Guerra Fria". Um exemplo disso, segundo ele, são as alianças de países de Terceiro Mundo para chegar a mudanças. A China fez outra coisa: "Abandonou essa visão norte e sul e atua em simbiose com os EUA. A Índia também, e foi reconhecida como potência nuclear ao assinar um acordo nuclear com Washington."
Ele também acha que está na hora de o Brasil reativar o relacionamento com os EUA. "Por muito tempo os EUA foram vistos com desconfiança, e com motivo, por causa de suas ingerências em questões financeiras, de comércio e política interna dos países da região", diz. "Mas hoje as circunstâncias são totalmente diferentes. O novo presidente tem uma proposta de não ingerência nos assuntos dos países, de multilateralismo. Ele representa muito do que nós queríamos. Podemos adotar uma política de confiança."
A relação com a Casa Branca, que azedou após divergências no caso de Honduras e do Irã, precisa ser resgatada, acredita a oposição. O Brasil costurou com a Turquia um acordo para troca de combustível nuclear do Irã. Para os EUA, o acordo era insuficiente e ameaçava o consenso necessário à adoção de sanções contra os iranianos no Conselho de Segurança da ONU. A posição do Departamento de Estado era que o Brasil mostrava-se "ingênuo" e estava sendo usado pelo Irã - cujo objetivo, segundo eles, era apenas ganhar tempo. A secretária de Estado americana , Hillary Clinton, anunciou sanções um dia depois de o Itamaraty comemorar o acordo com a Turquia - o que irritou profundamente o governo brasileiro.
Essa decisão deu origem a várias críticas contra o presidente Barack Obama. O governo brasileiro se sentiu traído pela Casa Branca, que não esperou os resultados do acordo mediado pelo Brasil. Lula entendeu que Obama estava dando um tiro no pé ao endurecer contra o Irã. "Não foi uma atitude de quem ganhou o Nobel da Paz", afirmou.
Outra divergência ocorre no caso de Honduras. Os americanos acham que o Brasil tem sido duro demais com o presidente eleito, Porfírio Lobo, e intransigente em sua defesa do líder deposto Manuel Zelaya - o que estaria atrapalhando a reconstrução da estabilidade política dos hondurenhos.
A Casa Branca vê os movimentos do Brasil com reservas. Uma das consequências disso é que a visita de Obama ao País deve ficar para o próximo governo. Amaral resume o impasse: "Não dá para ter uma política de defesa da democracia em Honduras, e uma diferente em Cuba".
'Há mais barulho que ruptura'
O Brasil ficou importante e sua política externa já não é só do Itamaraty, adverte Maria Hermínia Tavares, da USP. Em meio ao debate sobre ruptura de alianças, ela lembra uma tradição da diplomacia: "O Brasil não briga com ninguém"
Gabriel Manzano
O debate sobre política externa tem provocado um certo barulho, mas o que se vê é muito mais continuidade do que ruptura. O fato é que certas tradições nacionais, como a independência no agir e a vocação para negociar já estão no DNA de nossa diplomacia - ninguém tira mais. Então, por que o barulho? "Simplesmente porque o Brasil ficou importante", resume a professora Maria Hermínia Tavares, diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP. E num País importante diplomacia não é exclusividade de um ministério. "O que o Brasil diz ou faz lá fora é medido, pesado e cobrado no Congresso, em outros ministérios, nas empresas, entre formadores de opinião."
A professora não entra no fogo cruzado dos partidos. Prefere repassar um fio mais longo da história, juntando os últimos 16 anos de forte diplomacia presidencial - "sendo a atual, de Lula, num estilo mais agressivo, com apostas mais arriscadas". Isso pode levar a grandes resultados - "basta ver o que se diz do Brasil lá fora" -, mas também a equívocos, como em Honduras, em Cuba. "Neste segundo caso, o erro foi não perceber que a situação na ilha mudou. Faltou sensibilidade para prever que é impossível o país continuar daquele jeito." E daqui para a frente? "Acho que o clima vai ser outro. Tanto José Serra como Dilma Rousseff ou Marina Silva são figuras menos importantes na cena internacional."
O Brasil abre frentes por todo lado, em busca de espaços, e até compra brigas com grandes potências. Para onde isso aponta?
Essas novas possibilidades têm que ver com os ganhos internos. Não foi pouca coisa essa rota virtuosa de estabilidade, crescimento e democracia nos últimos 16 anos. Somos vistos como uma grande democracia de massas, estável. Isso nos deu respeitabilidade e espaço para uma posição mais atuante. Um dos efeitos disso foi que desapareceu o consenso que havia antes, na nossa diplomacia. Ela agora virou tema da agenda nacional. Mas no fundo a missão é a mesma: aumentar o protagonismo do País. O governo FHC abriu o caminho, nas primeiras disputas com a Organização Mundial do Comércio. O governo Lula levou isso adiante, afirmando seus objetivos de outro modo. Não sei se é tão ruim assim acabar com o consenso. A condição para que ele existisse seria, a meu ver, manter a política externa encapsulada no Itamaraty.
À parte a polêmica, o governo está certo no que faz?
O objetivo é sempre aproveitar as oportunidades para alavancar o desenvolvimento. Influir como um negociador que aposta no multilateralismo. Isso tem sido feito. Nesse contexto se destaca a importante decisão, tomada no governo FHC, de assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Fizemos ali a opção de buscar um papel importante, no mundo, mas abrindo mão de um recurso significativo, a bomba.
A propósito, uma das polêmicas de agora é se o País deve assinar o Protocolo Adicional do TNP, que permitirá a agentes da ONU vir fiscalizar nossos reatores nucleares.
O importante, nessa questão, é entender que a bomba é um recurso que vai perdendo a importância. Ela afeta cada vez menos os grandes temas. Você não resolve os temas comerciais, os ambientais e muitos outros com o chamado poder duro, o hard power, como definiu o americano Joseph Nye. O País apostou no soft power, e isso teve um grande impacto no debate dos conflitos da América Latina. Garantiu ao continente clima e espaço para conversar sobre suas diferenças em ambiente pacífico.
A sra. chamaria de ruptura o que o Itamaraty vem fazendo, comparado com a era FHC?
Acho que há mais continuidade do que ruptura entre um governo e outro. Claro que há diferenças. O governo Lula tem uma política externa mais agressiva, mais arriscada. Assim é possível que tanto erros como acertos apareçam mais. Lula apostou numa conexão que é mais Sul, mas não é completamente isso. Todos sabem, no governo, que estamos na América, que a ligação com os Estados Unidos continuará decisiva. Mas também se apostou no Haiti, e deu certo. Diziam no início que era melhor não se meter ali. Hoje ninguém diz isso mais.
O Mercosul era prioridade, mas empacou.
Entendo o Mercosul como um elemento de continuidade, ele começou antes do governo Lula. Mesmo o compromisso com a união aduaneira, que é o que nos amarra, foi decidido ainda no governo Collor. O que Lula fez foi acrescentar uma dimensão política. Convém lembrar também que, antes, era mais fácil. Os governos da região eram mais convergentes, era o momento das reformas de mercado. O Hugo Chávez estava apenas começando. A diversificação, de lá para cá, não dependeu do Brasil. E nossa dimensão negociadora dificultou uma ação mais afirmativa. O Brasil não briga com ninguém, e isso não é de agora.
O que se cobra é que nossa diplomacia passou a defender, nessas relações, uma visão de partido político, não o interesse nacional.
Não tenho tanta certeza de que foi isso. Claro que há uma retórica mais agressiva. Você tem de lidar com governos que querem rever os contratos, como o Paraguai em Itaipu. Vamos fazer o quê? Romper relações com os paraguaios?
Pode-se exigir, em fóruns internacionais, que ele cumpra o contrato.
Não tenho tanta certeza de que seja uma forma adequada de lidar com o caso. Talvez pudesse falar mais duro, mas de alguma maneira tem de lidar com as críticas. O governo às vezes é criticado por ser duro, outras por não ser.
A estratégia em Honduras foi adequada?
O governo errou em Honduras. Não vejo sentido naquilo. No primeiro momento, estava todo mundo defendendo, a OEA também. Mas no segundo, aceitando Manuel Zelaya lá dentro, ficou complicado...
E a relação com Cuba?
Também acho que há um erro em Cuba. Por não se perceber que a situação da ilha mudou. Nossa posição com eles vêm desde o governo Sarney. Mas agora a situação está mudando e o Brasil não teve sensibilidade para prever que é impossível continuar daquele jeito. Acho que aí, de fato, pesaram os níveis partidários, pessoais. Foi um erro não perceber que os direitos humanos estão adquirindo uma centralidade importante na agenda internacional.
A questão dos direitos humanos também tem despertado polêmica.
No caso de Darfur também o governo agiu de modo inadequado. No caso com o Irã, acho que o presidente tentou uma jogada arriscada, para trazê-los à negociação. Se desse certo... Mas a grande pergunta nesse caso é: o que o Brasil ganha, entrando nessa disputa? O Irã nuclear é um assunto dos poderosos do Conselho de Segurança da ONU, um jogo de cachorro grande. Aliás, tenho a sensação de que o governo Lula abriu frentes demais. Por exemplo, não sei o que o Brasil quer na África. Nossos interesses ali não estão claros.
Com o próximo presidente, seja Serra ou Dilma, esse perfil muda?
Me parece que tanto Serra como Dilma são figuras menos visíveis internacionalmente.
Vender não é preciso
As incertezas quanto ao futuro dos mercados e o temor de que aumente o protecionismo dão [br]o sinal de alerta: a margem de manobra na disputa comercial, já escassa, pode ficar ainda menor
O cubano Guillermo Fariñas em greve de fome: mistura entre negócios e princípios ignora o exemplo do Barão do Rio Branco: "Não venho servir a um partido político"
A valiar os rumos da política comercial do sucessor de Lula requer análise do que foi a política comercial brasileira nos últimos oito anos e a partir daí considerar os cenários básicos de continuidade ou ruptura, dependendo da vitória de Dilma Rousseff ou de José Serra.
Até mesmo os mais entusiastas defensores da política externa patrocinada pelo triunvirato Garcia-Amorim-Guimarães terão dificuldade em listar iniciativas de política comercial que tenham tido real relevância nos dois mandatos do presidente Lula. A predominância dos objetivos estritamente políticos na agenda de política externa foi marcante. Só as fracassadas negociações multilaterais na OMC caracterizaram exceção importante. Mesmo assim, a sua prioridade na agenda do Itamaraty decorreu em boa medida de argumentos políticos relacionados à posição proeminente do Brasil na coalizão do G-20 a partir do fracasso da reunião de Cancún, em 2003.
No mais, o que se viu foi o enterro da ALCA depois de longa agonia, já iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, e uma postura de protelação sistemática de qualquer solução durável das inúmeras dificuldades de implementação de um Mercosul para valer. No colapso da ALCA, o governo quase que fez questão de proclamar prematuramente a sua aversão a uma iniciativa de integração hemisférica que incluísse os EUA. E, no entanto, parecia óbvio que a ALCA não poderia prosperar sem que houvesse disposição política do governo dos EUA quanto a concessões agrícolas, especialmente ao Mercosul.
As "alianças estratégicas" com as grandes economias em desenvolvimento restringiram-se a juras de cooperação política. As preferências negociadas com Índia e África do Sul retratam bem a mediocridade das ambições de liberalização comercial.
A escolha da França como "parceiro estratégico" desenvolvido, manifestação indireta das reticências em relação aos EUA, não teve implicações práticas em fazer avançar as negociações comerciais estagnadas com a União Europeia. De fato, vista de Paris, a parceria estratégica parece ganhar proeminência quando se trata de vender caças e ficar inativa quando se trata de fazer concessões agrícolas relevantes.
A posição do Brasil foi ativa e construtiva nas negociações da Organização Mundial do Comércio que atolaram em 2008. Foi talvez o único bom momento da política externa brasileira desde 2003. Mas mostrou-se inviável manter a coesão do G-20.
O Itamaraty, entusiasmado com a liderança brasileira, e com o olho no almejado Conselho Permanente da ONU, subestimou as diferenças entre os interesses comerciais do Brasil, produtor agrícola eficiente, e os da China e da Índia. O G-20 foi bom de bloqueio, mas ruim de ataque. Enquanto o Brasil pensava em G-20, China e Índia pensavam em G-33 e G-90, coalizões comprometidas com o protecionismo agrícola.
E a política comercial de Dilma e Serra? Nada indica que a eleição de Dilma possa significar ruptura relevante em relação à sua herança. Grandes negociações comerciais bilaterais ou multilaterais parecem improváveis. Nas negociações na OMC, o Brasil mostrou pouca disposição em reduzir significativamente as suas tarifas sobre produtos industriais.
Dada a reciprocidade que caracteriza as negociações na OMC, o espaço para redução do protecionismo agrícola, demanda principal brasileira, foi restrito pelas limitações das ofertas tarifárias industriais das economias em desenvolvimento.
Há indícios claros de recrudescimento do protecionismo no Brasil como, por exemplo, a provisão extremamente generosa de crédito público subsidiado e o tratamento preferencial de provedores nacionais nas licitações públicas. A nostalgia protecionista sugere que a escassa margem de manobra nas negociações comerciais poderá ter sido ainda mais reduzida. A ênfase da candidata na defesa da participação ativa do Estado na provisão de bens e serviços agrava este quadro. A mixórdia do Mercosul não parece preocupá-la. Por outro lado, alguns de seus comentários têm indicado ser bastante improvável uma reversão da postura antiamericana que caracteriza a diplomacia do atual governo (a despeito de desmentidos meio perfunctórios). No melhor dos casos, mais do mesmo?
José Serra tem feito críticas à política externa de Lula e demonstrado preocupação em perseguir substância em lugar de forma. Fez críticas também à postura do Brasil em relação ao Irã e - provavelmente menos razoáveis - à Bolívia. Tem insistido na necessidade de uma política comercial "agressiva", sem detalhar quais seriam os alvos preferenciais das possíveis iniciativas brasileiras.
Sua insatisfação com o estado de coisas quanto ao Mercosul é conhecida. Acredita, e tem razão, que são custosas as limitações impostas por parceiros do Mercosul, e especialmente a Argentina, a possíveis iniciativas brasileiras de celebração de acordos comerciais bilaterais.
O que não está elucidado é se José Serra, como presidente, realmente renegará seus entusiasmos protecionistas e se realmente acredita que "um libera de um lado, outro de outro; num acordo bem feito os dois saem ganhando" .
A política comercial que melhor serviria aos interesses nacionais deveria estar calcada na simultânea redução do protecionismo no Brasil e nos seus parceiros comerciais através de acordos bilaterais e no âmbito da OMC. Deveria ser combinada à maciça renovação da infra-estrutura e a políticas efetivas de inovação tecnológica e educacionais que melhorem a capacidade competitiva brasileira. Os dois candidatos parecem longe desse programa. Dilma mais longe do que Serra.
No novo mapa do mundo, o país está maior
Uma boa política externa exige prudência, mas também ousadia. Em oito anos, o Brasil mudou de patamar, diz o chanceler
"Na ONU, como no FMI, nos BRICs, a maior capacidade de articulação Sul-Sul eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. A formação do G-20 mudou o padrão decisório nas negociações comerciais."
Há sete anos, quando se falava na necessidade de mudanças na geografia econômica mundial ou se dizia que o Brasil e outros países já deveriam desempenhar papel mais relevante na OMC ou integrar de modo permanente o Conselho de Segurança da ONU, muitos reagiam com ceticismo. O mundo e o Brasil têm mudado a uma velocidade acelerada, e algumas supostas "verdades" do passado vão se rendendo à evidências dos fatos. O diferencial de crescimento econômico em relação ao mundo desenvolvido tornou os países em desenvolvimento atores centrais na economia mundial.
A maior capacidade de articulação Sul-Sul - na OMC, no FMI, na ONU e em novas coalizões, como o BRIC - eleva a voz de países antes relegados a uma posição secundária. Quanto mais os países em desenvolvimento falam e cooperam entre si, mais são ouvidos pelos ricos. A recente crise financeira tornou ainda mais patente o fato de que o mundo não pode mais ser governado por um condomínio de poucos.
O Brasil tem procurado, de forma desassombrada, desempenhar seu papel neste novo quadro. Completados sete anos e meio do governo do Presidente Lula, a visão que se tem do País no exterior é outra. Já não precisamos ouvir os líderes mundiais e a imprensa internacional para sabermos que o Brasil tem um peso cada vez maior na discussão dos principais temas da agenda internacional, de mudança do clima a comércio, de finanças a paz e segurança.
Países como Brasil, China, Índia, África do Sul, Turquia e tantos outros trazem uma maneira nova de olhar os problemas do mundo e contribuem para um novo equilíbrio internacional.
No caso do Brasil, essa mudança de percepção deveu-se, em primeiro lugar, à transformação da realidade econômica, social e política do País. Avanços nos mais variados domínios - do equilíbrio macroeconômico ao resgate da dívida social - tornaram o Brasil mais estável e menos injusto. As qualidades pessoais e o envolvimento direto do presidente Lula com temas internacionais ajudaram a alçar o Brasil à condição de interlocutor indispensável nos principais debates da agenda internacional.
Foi nesse contexto que o Brasil desenvolveu uma política externa abrangente e pró-ativa. Construímos coalizões que foram além das alianças e relações tradicionais, as quais tratamos de manter e aprofundar, como no estabelecimento da Parceria Estratégica com a União Europeia ou do Diálogo de Parceria Global com os Estados Unidos.
O crescimento expressivo de nossas exportações para os países em desenvolvimento e a criação de mecanismos de diálogo e concertação, como a Unasul, o G-20 na OMC, o Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) e o grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) refletiram essa orientação de uma política externa universalista e livre de visões acanhadas sobre o que pode e deve ser a atuação externa do Brasil.
A base dessa nova política externa foi o aprofundamento da integração sul-americana. Um dos grandes ativos de que o Brasil dispõe no cenário internacional é a convivência harmoniosa com sua vizinhança. O governo do presidente Lula empenhou-se, desde o primeiro dia, em integrar o continente sul-americano por meio do comércio, da infraestrutura e do diálogo político. O Acordo Mercosul-Comunidade Andina criou, na prática, uma zona de livre comércio abrangendo toda a América do Sul. A integração física do continente avançou de forma notável, inclusive com a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Nossos esforços para a criação de uma comunidade sul-americana (CASA) resultaram na fundação de uma nova entidade - a União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
Sobre as bases de uma América do Sul mais integrada, o Brasil ajudou a estabelecer mecanismos de diálogo e cooperação com países de outras regiões, fundados na percepção de que a realidade internacional já não comporta a marginalização do mundo em desenvolvimento. A formação do G-20 da OMC, na Reunião Ministerial de Cancún, em 2003, marcou a maioridade dos países do Sul, mudando de forma definitiva o padrão decisório nas negociações comerciais.
O IBAS respondeu aos anseios de concertação entre três grandes democracias multi-étnicas e multiculturais, que têm muito a dizer ao mundo em termos de afirmação da tolerância e de conciliação entre desenvolvimento e democracia. Além da concertação política e da cooperação entre os três países, o IBAS tornou-se um modelo em projetos em favor dos países mais pobres, demonstrando, na prática, que a solidariedade não é um apanágio dos ricos.
Também lançamos as cúpulas dos países sul-americanos com os países africanos (ASA) e com os países árabes (ASPA). Construímos pontes e políticas entre regiões que vivem distantes umas das outras, em que pesem as complementaridades naturais. Essa aproximação política resultou em notáveis avanços nas relações econômicas. O comércio do Brasil com países árabes quadruplicou em sete anos. Com a África, foi multiplicado por cinco e chegou a mais de US$ 26 bilhões, cifra superior à do intercâmbio com parceiros tradicionais como a Alemanha e o Japão.
Essas novas coalizões estão ajudando a mudar o mundo. No campo econômico, a substituição do G-7 pelo G-20 como principal instância de deliberação sobre os rumos da produção e das finanças internacionais é o reconhecimento de que as decisões sobre a economia mundial careciam de legitimidade e eficácia sem a participação dos países emergentes.
Também no campo da segurança internacional, quando o Brasil e a Turquia convenceram o Irã a assumir os compromissos previstos na Declaração de Teerã demonstraram que novas visões e formas de agir são necessárias para lidar com temas antes tratados exclusivamente pelos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Apesar dos ciúmes e resistências iniciais a uma iniciativa que nasceu fora do clube fechado das potências nucleares, estamos seguros de que a direção do diálogo ali apontada servirá de base para as negociações futuras e para a eventual solução da questão.
Uma boa política externa exige prudência. Mas exige também ousadia. Não pode fundar-se na timidez ou no complexo de inferioridade. É comum ouvirmos que os países devem atuar de acordo com seus meios, o que é quase uma obviedade. Mas o maior erro é subestimá-los.
Ao longo desses quase oito anos, o Brasil atuou com desassombro e mudou seu lugar no mundo. O Brasil é visto hoje, mesmo pelos críticos eventuais, como um país ao qual cabem responsabilidades crescentes e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os destinos do planeta.
Dilma, nas pegadas de Lula
O projeto da candidata do PT é manter o eixo central da diplomacia lulista, lutando por um espaço nos grandes conflitos
Para Marco Aurélio Garcia, que coordena o programa de Dilma, ela "não é o Lula de saias, mas também é firme em suas posições". E compara: quem não entra em questões espinhosas "não pode ser presidente nem do Corinthians"
Em uma eventual vitória do PT nas eleições presidenciais, a candidata Dilma Rousseff vai manter as incursões da política externa brasileira em assuntos polêmicos - ela pretende, inclusive, continuar tentando ter uma voz em conflitos como o do Oriente Médio e da questão nuclear iraniana, a exemplo do que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço internacional que é absolutamente compatível com as ideias da Dilma e com sua própria personalidade", disse ao Estado Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais e principal formulador do programa de governo da candidata. "Quem não entra em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians." Marco Aurélio é a alma da política externa da petista. O mais cotado para chanceler em um eventual governo Dilma é o atual secretário-geral do Itamaraty, Antonio Patriota. Dilma encara a diversificação de mercados do governo Lula e aproximação com emergentes como um grande trunfo e pretende mantê-las, se chegar ao Planalto. Segundo Marco Aurélio, a "opção sul-americana" iria se aprofundar - ele vê países como a Venezuela e Colômbia fabricando equipamentos para o pré-sal brasileiro. Rebate as acusações de que o posicionamento do Brasil de não condenar o desrespeito a direitos humanos em países como o Irã e Cuba prejudique a reputação do País: "O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias, o Brasil opera em episódios de direitos humanos de forma prática". E mantém vivas as críticas aos EUA: "Se os EUA insistem que temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, isso não vai acontecer."
Boa parte da visibilidade do Brasil no cenário internacional está ligada ao presidente Lula. Como seria isso em um governo Dilma?
A Dilma é diferente e não pretende ser o Lula de saias. Ela vai ter seu estilo. Lula tem uma prodigiosa intuição, já a Dilma é uma pessoa de formação acadêmica, muito assertiva, firme em suas posições.
O Brasil manterá, se ela for eleita, o high profile de política externa?
Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço e responsabilidades internacionais absolutamente compatíveis com as ideias de Dilma e com a própria personalidade de Dilma.
Dá para ver a Dilma tentando mediar o conflito do Oriente Médio?
Por que não?
O que dá para fazer para melhorar o relacionamento com os EUA? Há ruídos, criados pelas divergências em Honduras, no Irã...
Não fomos nós que criamos ruídos. Se os EUA insistem que nós temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, evidentemente, isso não vai acontecer. Precisamos ter paciência, vamos ver o que ocorre nas eleições nos EUA. Tivemos relações tão boas com os republicanos...
A química era melhor com o Bush?
Lula não apenas se declarou contra a guerra do Iraque, como começou a fazer uma articulação internacional. Em um tema tão crucial para o Bush, o Brasil soube se diferenciar e mesmo assim manter as relações com eles. O Bush veio aqui duas vezes, qual presidente americano veio duas vezes ao Brasil?
E o Obama não veio, e provavelmente não virá neste ano.
Durante um período não veio porque estava sem embaixador. Nós somos sensíveis às dificuldades que Obama enfrenta.
O presidente Lula ainda está chateado com Obama por causa do episódio do Irã?
O presidente Lula está um pouco decepcionado, porque tem muita estima pelo Obama. E uma grande expectativa.
Houve mudança na política dos EUA para a região?
Pouca. Os EUA deveriam ter sido mais peremptórios em Honduras. Não foram, sofreram pressão forte de conservadores.
Digamos que até o fim do ano, ou daqui a dois, o Ahmadinejad apareça com uma bomba nuclear. Com que cara o Brasil vai ficar?
O Brasil condenará duramente. Mas o Irã não vai aparecer com uma bomba.
Como é que vocês têm certeza?
Os americanos dizem que eles não têm. Nós estamos tentando impedir que eles tenham, e a melhor maneira é falando com eles.
Foi uma vitória para a diplomacia brasileira, apesar de o acordo não ter sido aceito?
Nós propusemos um caminho, que foi desconsiderado pelos EUA de forma brusca, ríspida e inamistosa.
No caso da Dilma, ela entraria também nessas questões espinhosas?
É claro, quem não está disposto a entrar em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians.
Uma crítica da oposição: porque não vamos mediar as papeleras no Uruguai em vez de um problema no Oriente Médio?
Quisemos mediar o caso das papeleras, não foi aceita nossa mediação. Mediamos Equador e Colômbia, Venezuela e Equador. Recebemos aqui o Shimon Peres, o Mahmoud Abbas, o Ahmadinejad, o Bashar Al Assad, da Síria, e todos pediam que interviéssemos...
Talvez porque o Brasil evite fazer julgamentos sobre respeito aos direitos humanos?
Não é verdade, temos uma posição objetiva, temos votos no Conselho a ONU...
Mas o Brasil se abstém em votos de condenação ao desrespeito dos direitos humanos.
Essa posição de abstenção é histórica do Itamaraty, vem lá de trás.
E por quê?
Porque não queremos ser seletivos e politizar circunstâncias. As pessoas sabem de muitos países que têm gravíssimos problemas de direitos humanos, mas com os quais os EUA se dão muito bem, como a Colômbia. Os americanos têm complacência com países onde há apedrejamento a mulheres. O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias . Ele opera em episódios de direitos humanos de forma prática. Quando há violações, nós agimos.
E na eleição do Irã?
Não sei qual é o problema da eleição do Irã.
Mataram manifestantes e prenderam oposicionistas. Isso não é um problema?
Sim, mas não é problema da eleição.
Mas prenderam membros da oposição...
Fizemos várias "démarches" junto ao Irã.
Lula comparou presos cubanos a presos comuns. Não é hora de ser mais assertivo em relação a direitos humanos em Cuba?
Eu conheço Cuba suficientemente para saber que qualquer declaração assertiva produz efeitos opostos.
E no Conselho de Segurança da ONU, continuamos buscando assento permanente?
Entramos em um período de transição que vai em direção a um mundo multipolar. Temos indícios econômicos e políticos da preeminência do sul sobre o norte. Ibas, BRICs, diálogo Sul-Sul, e episódios como Irã mostram isso. O episódio do Irã foi a entrada na cena internacional de dois personagens que não tinham sido convidados, que entraram com uma proposta importante.
O Brasil deveria fazer isso sempre?
Os países vão fazer normalmente, porque não podemos viver hoje sob a tutela de um sistema mundial que foi criado em 1945 e que hoje não tem mais impacto.
O que o sr. acha de flexibilizar o Mercosul e liberar o Brasil para acordos bilaterais?
Bobagem, porque não são os nossos parceiros que estão nos criando dificuldades. No caso da União Europeia foi a Argentina... Os problemas com a Argentina podem ser completamente resolvidos.
Não é necessário o Brasil se mostrar mais ativo em acordos bilaterais sozinho?
Podemos fazer isso com o Mercosul. O Mercosul não é, ao contrário do que o (candidato do PSDB, José) Serra tem dito, um estorvo. Nessas propostas de o Brasil fazer carreira solo em negociações bilaterais há, no fundo, uma tremenda nostalgia da Alca.
O fato de o Brasil não ter fechado nenhum acordo bilateral, a não ser com Israel, nos últimos anos, não indica problemas?.
Capitaneamos um esforço coletivo que seria muito mais abrangente e levamos isso às últimas consequências (a Rodada Doha). Quem barrou? EUA e Índia. Agora a Índia está de acordo, mas os americanos não querem.
Doha continuaria como a grande aposta num próximo governo?
Eu estou cético. Vamos fortalecer uma negociação com a União Europeia.
Quais seriam os ajustes na política externa em um governo Dilma?
Temos de aprofundar a opção pela América do Sul, avançar nos projetos de substituição de importação com presença de capitais brasileiros, na Venezuela, na Bolívia.
Haverá proteção de contratos, para não repetir o problema da Odebrecht no Equador?
O problema da Odebrecht no Equador foi absolutamente isolado e já foi resolvido.
Quais outras maneiras haveria para investir na opção sul-americana?
Com o pré-sal teremos de criar uma gigantesca infraestrutura , que a indústria brasileira sozinha não terá condições de absorver. Será que não podemos ter produção desses componentes em outros países? Tem projetos agora na Venezuela, na Colômbia.
E para essa maior integração funcionar, não teria de ser resolvido o problema do protecionismo argentino?
O protecionismo argentino tem incidência marginal. Essas questões são marginais ante os grandes desafios como: a Venezuela vai se industrializar? E a Bolívia? Vamos nos transformar em um mercado de consumo regional, mais de 300 milhões de consumidores. Cada vez mais empresas investem aqui.
Sim, mas no Brasil. Para a Venezuela, onde há insegurança jurídica, ninguém vai.
O problema da Venezuela é menos de insegurança jurídica. O problema é que o modelo ainda não está plenamente configurado. A Venezuela ainda não rompeu com seu modelo petroleiro.
Jornais dos Páises Membros do Mercosul
Paraguay “ABC”
Sección: Política
El Mercosur poco o nada aporta, dicen
Al tiempo de no ocultar su inquietud ante la decisión de las autoridades vecinas de Punta Porã, comerciantes pedrojuaninos coinciden en que se está demostrando una vez más que el Mercosur poco o nada aporta para erradicar los obstáculos para el fluido relacionamiento comercial fronterizo.
A propósito, los presidentes del Mercado Común del Sur (Mercosur) ratificaron la semana anterior, como en tantas otras ocasiones, el compromiso de sus respectivos gobiernos de aunar esfuerzos para lograr la integración entre los estados partes.
Cabe recordar que durante la cumbre de San Juan, Argentina, el 3 de este mes, los jefes de Estado rubricaron un Comunicado Conjunto en donde en el punto 15 “Manifestaron su voluntad de dar un renovado impulso a la integración fronteriza entre los países de la región. En este sentido, destacaron la realización de la X Reunión del Grupo Ad Hoc sobre Integración Fronteriza del Mercosur, que tuvo lugar en Buenos Aires el 16 y 17 de junio de 2010, y se congratularon por los avances logrados en la negociación del Anteproyecto de Acuerdo sobre Localidades Fronterizas Vinculadas”. Esta declaración lleva la firma de los presidentes de la Argentina, Cristina Fernández de Kirchner; de la República Federativa del Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; de Paraguay, Fernando Lugo; y de Uruguay, José Mujica.
“La Nación”
Sección: Negócios
“Paraguay necesita negociadores que resten las asimetrías en el Mercosur”
Empresario sostiene que se necesitan más incentivos para las leyes de maquila y de zona franca, y otros regímenes.
Ali Abou Saleh, empresario de origen libanés nacido en Paraguay, y presidente de la Cámara de Comercio de Ciudad del Este, ve difícil la anunciada muerte de Ciudad del Este, pero afirma que Paraguay necesita de negociadores patriotas que terminen con décadas de entreguismo a los países más grandes del Mercosur. Menciona la no aplicación del RTU, la unidad arancelaria, los regímenes que van cumpliendo sus plazos, y destaca que se deberá negociar punto por punto para su beneficio. Además sostiene la necesidad de contar con más incentivos para el desarrollo de la industria, como la ley de ensamblaje de productos de alta tecnología, vetado por el Ejecutivo; la maquila, la zona franca, entre otros.
–¿Cómo evalúa el comercio de Ciudad del Este?
–En términos comparativos, en relación al año pasado, está estable, más o menos todo igual. Esperemos que los meses que restan del año haya algún repunte. Mejoró la cantidad de gente que viene a comprar, en cierto momento, algunos productos repuntaron y otros decrecieron. Todos los textiles repuntaron; hay otros que cayeron, como las bebidas, perfumería.
–¿Cómo se expresan esas mejorías que se dieron en algunos momentos en la economía del Este?
–Las construcciones que se están observando demuestran eso. Pareciera que todo va encaminado a que el comercio vaya creciendo de nuevo. Ciudad del Este es muy importante económicamente para el Paraguay, sigue el éxodo del interior y mucha gente continúa sobreviviendo de esta ciudad.
–Siempre se habla de la muerte de Ciudad del Este. ¿Qué opina al respecto?
–El comerciante de Ciudad del Este tiene una particularidad, tiene un know how, un conocimiento, de todas estas situaciones que se nos presentan, nos rebuscamos, entramos en ese laberinto y encontramos la salida siempre, por eso es que sobrevivimos. Esto no va a morir, lo que vamos a hacer es tener que luchar bastante.
–¿Cómo afectará la eliminación del doble arancel en el Mercosur?
–Puede ser positivo como negativo, es algo que ya se marcó desde Ouro Preto (Protocolo del Mercosur), pero ahora es el momento de empezar a negociar, todo lo que no hicimos antes. Se crearán las comisiones, van a evaluar la unificación de las partidas arancelarias, tenemos que unificar todo el sistema informático de los países pertenecientes al Mercosur, tal vez se adhieran otros países. Es en las comisiones donde debemos negociar y poder realmente restar esas asimetrías que tenemos, con relación a Brasil y Argentina.
–¿Con la eliminación de los regímenes especiales y el RTU que no sale, qué se puede hacer?
–Sí, (el RTU) no sale, pero creo que aún cuando ya tardó demasiado, va a salir. Todo se resume en que Paraguay tendrá que negociar, tópico por tópico, con régimen de turismo o no, con RTU o no, todo debe ser luchado punto por punto en el marco del Mercosur para no afectar al fisco paraguayo y para no perjudicar al comercio y la economía dependientes de la importación de extrazona, y para disminuir las asimetrías. El RTU es el ejemplo, todo el tiempo que llevó y aún se sigue discutiendo. Por eso hablaba de que tendremos que luchar bastante.
–¿Qué debe cambiar en la política local para incentivar el desarrollo?
–Las leyes de maquila y de zona franca deben tener más incentivo. Haciendo una comparación con las de Manaus, Brasil y de Uruguay, por ejemplo, tenemos mucho que mejorar. Infraestructura, subsidios, menos burocracia, incentivos fiscales reales, leyes laborales adecuadas, son algunas de las cuestiones que deben mejorarse para atraer un interés muy diferente al actual.
–Para muchos la triangulación ya no tiene futuro.
–Paraguay no es un país industrializado, ni el Mercosur ni el Brasil ayudaron a la industrialización de este país; por eso el fisco depende en gran medida de los productos importados de extrazona para revender. Dicen que tenemos que establecernos como país industrial, pero no vamos a lograr mientras nos pinten de negro, no colaboren y nos sigan asfixiando. Ellos no facilitan, hasta a los productos maquila crean problemas. No es como en la Comunidad Europea, donde los países grandes pensaron en los países menos desarrollados. España, hoy ya no necesita de nadie, es un país industrial, sobresale por sí mismo. Gracias a los aportes de otros países más grandes de la Unión Europea.
–Existen fábricas que operan por el régimen de maquila, ¿están caminando?
–Camina, (pero) todo es muy lento, no se dan las inversiones de envergadura que den saltos cualitativos en el desarrollo que se busca generar a partir de estos regímenes económicos.
–¿Qué no funcionó en la gestión de gobierno?
–En muchas cosas hemos fallado, el sector privado inclusive. En la medida en que nos aprieta el zapato nos estamos dando cuenta. Necesitamos negociadores más nacionalistas. Nuestros negociadores deben defender lo que por derecho nos pertenece. También necesitamos un sector privado que no sólo observe su bienestar personal sino el bien general. En el Mercosur ya entramos como furgón de cola. No hemos observado en el documento que hemos firmado nuestro propio sistema comercial, el que tenemos en Ciudad del Este, Salto del Guairá, Encarnación, Pedro Juan Caballero y que reportan más que el 50% del ingreso al fisco. Hemos sido claramente entreguistas.
–¿En qué falló el sector privado?
Hay empresas acá que se adjudican y consiguen situaciones que ameriten una competencia desleal. Muchas empresas no pueden importar determinados productos por diferentes motivos, hay una competencia desleal.
Dolly Galeano
Uruguay “El Pais”
Editorial
Acuífero Guaraní
JUAN ORIBE STEMMER
El Acuerdo sobre el Acuífero Guaraní fue aprobado el 2 de agosto por la 39a. Reunión del Consejo del Mercado Común. Esta reunión tuvo lugar dentro del marco más amplio de una nueva Cumbre de Jefes de Estado del Mercosur y Estados asociados, celebrada en la argentina ciudad de San Juan. El tratado fue suscrito por los cuatro países dentro de cuyo territorio se encuentra el Acuífero: Argentina, Brasil, Paraguay y el Uruguay.
El acuífero es un recurso natural renovable que recibe agua como resultado de la infiltración directa del agua de la lluvia y de la infiltración indirecta vertical, en las discontinuidades de la roca.
Básicamente es una vasta esponja subterránea constituida por una capa de roca porosa y con fisuras cuyo espesor oscila entre 50 y 800 metros. El sistema acumula un enorme volumen de agua cuyo límite superior se encuentra a profundidades que oscilan entre los 20 y los 1.800 metros. El agua del acuífero puede llegar a tener temperaturas relativamente altas, como lo comprueban quienes visitan las termas ubicadas en los departamento del litoral uruguayo.
El Acuífero Guaraní es un recurso transfronterizo (en estos casos es mejor no utilizar el término "internacional") compartido: abarca una superficie de 1.190.000 kilómetros cuadrados que se extiende en el territorio de los cuatro países del Mercosur. La mayor parte se encuentra en territorio del Brasil (71,4% del total). El resto se divide entre Argentina (18,9%), Paraguay (5,9%) y nuestro país (3,8%). En el Uruguay, el acuífero se encuentra en el subsuelo de los departamentos de Artigas, Paysandú, Salto, Rivera y Tacuarembó.
El Acuerdo incluye principios generales y normas acerca de la naturaleza jurídica del acuífero, su protección y desarrollo sustentable, la realización de estudios, actividades y obras de aprovechamiento y la resolución de controversias. Entre otras obligaciones, cada país debe informar a los demás de todas las actividades y obras que se proponga realizar en su territorio para el aprovechamiento sustentable de los recursos hídricos del sistema. También se pactó la creación de un Comisión integrada por los cuatro Estados que coordinará la cooperación entre ellos para el cumplimiento de los principios y objetivos del Acuerdo.
La obligación principal de los cuatro países es promover la conservación y la protección ambiental del Acuífero Guaraní con el fin de asegurar "el uso múltiple, racional, sustentable y equitativo de sus recursos hídricos".
En este caso, uso sustentable implica conseguir que el volumen total de agua extraída no supere la capacidad natural de recarga del sistema. El delicado asunto del aprovechamiento equitativo supone conocer la dinámica del Acuífero, determinar el aporte que realiza cada país al total y establecer criterios y mecanismos que aseguren que cada uno de ellos extraiga una justa proporción del "rendimiento sustentable" del recurso.
Cumplir con estas obligaciones no será una tarea fácil. Pero el Acuerdo es un paso importante en la dirección correcta y sólo cabe esperar que las partes actúen en forma responsable.
"En la reciente Cumbre del Mercosur se logró firmar el Acuerdo sobre el Acuífero Guaraní".
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